Total visualizações

19 março 2021

MEMORIAL DO CONVENTO - "Nenhum suspiro, lágrima nenhuma" (Memórias de Blimunda)

Entrar de novo no Rossio recorda-me tanta coisa...   

Toda esta aventura começou no dia em que a minha mãe foi "açoitada em público e mandada para Angola", num auto de fé. Foi a última vez que a vi. 

Não soltei "Nenhum suspiro, lágrima nenhuma, nem sequer o rosto compadecido", caso contrário teria o mesmo destino que ela... Só podia ver.

No olhar dela conseguia ver que ela queria que eu perguntasse o nome daquele homem alto que estava ao meu lado, portanto fiz a vontade. Chamava-se Baltazar Mateus, apelidado de Sete-Sois. E do outro lado, tinha o Padre Bartolomeu Lourenço, um padre com elevadíssimo estatuto e conhecimento. 

Baltazar e eu ficámos muito próximos... Muitas das vezes, o silêncio diz tudo... Dei um lar àquele soldado desamparado, mutilado de guerra, e uma razão para ficar. Muito em breve casaríamos, por assim dizer...E eu ficaria apelidada de Sete-Luas, pelo Padre Bartolomeu.

Esse mesmo padre não era apenas um padre qualquer. Ele estava a criar uma invenção para fazer os homens voar, como nas visões da minha mãe. Algo para fazer os homens voar, a que chamava de passarola. A ciência por trás daquilo só o Padre a compreendia, mas pediu-nos ajuda, a mim e a Baltazar, pois não conseguia fazer tudo sozinho... E nós ajudámo-lo, com tudo o que estava ao nosso alcance.

Tornou-se uma missão de uma vida inteira, meter a passarola a funcionar. Recolher duas mil vontades, erguer a própria passarola, fazer o nunca antes feito e rezar pelo melhor! E... Conseguimos! A primeira vez que levantámos voo o Padre "Abraçava-nos e chorava de alegria"! É das melhores memórias que tenho. Nunca antes ninguém tinha tocado no céu!  

O tempo apenas trouxe as piores novas. O Padre perdeu-se em Espanha... Depois Baltazar" entrou na passarola (...) os panos rasgaram, o Sol inundou a máquina e subiu". Desaparecera.

 Os anos seguintes da minha vida foram passados à procura dele, por todo o lado. Quando finalmente o reencontro vejo-o na fogueira, nove anos depois. Ao menos a vontade dele ainda está aqui, comigo, não "deixei que ela subisse às estrelas”, pois à terra e a mim pertencia.

 

Guilherme Fróis, 12º B

 

Referências Bibliográficas

"A minha mãe foi açoitada em público e condenada a oito anos de degredo no Reino de Angola" - pag. 55

 "Homens a voar, como nas visões da minha mãe" - pag. 67

 "Recolher duas mil vontades" - pag. 156

 "Abraçava-nos e chorava de alegria" - pag. 215

“Baltazar entrou na passarola (…) O Sol inundou a máquina e subiu” - Pag. 375

“Deixei que ela subisse as estrelas, pois à terra e a mim pertencia” - Pag. 400

 

 

 

 

Sem comentários: