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19 outubro 2020

Mensagem - "O Infante D. Henrique" e "Fernão de Magalhães"

Continuamos a publicar os trabalhos realizado em aula, de análise e aproximação à compreensão de poemas de Mensagem

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Mensagem é o único livro publicado por Fernando Pessoa em vida e cuja essência trata da passagem do honroso passado de Portugal para a época evertida na qual a obra foi escrita. 

O conjunto de poemas encontra-se dividido em três partes distintas: Brasão, que representa o nascimento da Pátria e cujos poemas mencionam os fundadores, heróis lendários e históricos convertidos em símbolos (“Os Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa”, “O Timbre”), Mar Português, que alude à realização da Pátria, ao auge dos descobrimentos e cujos poemas retratam o anelo pelo desconhecido e o heroísmo no confronto com o mar e a sua domação, e O Encoberto, que se reporta à morte da Pátria, da sua energia, cujos poemas se referem bastante ao Sebastianismo, mas também a um futuro renascimento, a uma ânsia pela criação do “Quinto Império”, aquele que irá unir os povos, não de um modo material mas como algo superior, universalizando ideias.

 

  A Cabeça do Grifo

 

        O INFANTE D. HENRIQUE

Em seu trono entre o brilho das esferas,

Com seu manto de noite e solidão,

Tem aos pés o mar novo e as mortas eras —

O único imperador que tem, deveras,

O globo mundo em sua mão.

 
26-9-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).

 

O poema “O Infante D. Henrique” é composto por uma única estrofe, uma quintilha, com versos decassilábicos, salvo o último, com rima cruzada, como se pode constatar em “(...) esferas /(...) eras” (vv. 1 e 3), rima interpolada, como em “(...) solidão /(...) mão” (vv. 2 e 5), e rima emparelhada, como evidenciada em “(...) eras /(...) deveras” (vv. 3-4). Este poema inclui-se na Parte I da Mensagem, Brasão, pois retrata a figura do Infante D. Henrique, que foi essencial para preparar Portugal para os eventos dos Descobrimentos, ou seja, faz parte dos fundadores da pátria e foi o responsável por iniciar a expansão marítima em Portugal.

No primeiro verso do poema, a palavra “trono” traduz a ideia de que o Infante D. Henrique foi um homem grandioso, sendo esta reforçada pela expressão “entre o brilho das esferas”, que significa entre o brilho das estrelas, colocando o Infante e o seu trono nas alturas. Seguidamente, a ideia de “noite” representa um espaço de criação, de germinação das ideias, e “solidão” simboliza o ato de pensar. O conceito “manto” demonstra que o Infante se revestia de “noite” e “solidão”, ou seja, que se tratava de um grande criador e pensador.

(...) No verso “Tem aos pés o mar novo e as mortas eras”, a expressão “mortas eras” simboliza os impérios territoriais do passado que, segundo Fernando Pessoa, sempre padecem. O Infante permite a abertura ao Homem Universal, faz do mar (que outrora simbolizava separação) estrada, símbolo de união, criando o "mar novo", um oceano agora vencido, outrora enigmático e indomável.

Por ter permitido esta junção, um feito de uma natureza superior, o Infante tornou-se imortal, tornou-se no „único imperador“ que possui “O globo mundo em sua mão”, pois o seu império é comum a todos os homens, primeiro por caminho marítimo e, a um nível superior, pela possibilidade de partilha de ideias entre povos longínquos. 

 


 FERNÃO DE MAGALHÃES

No vale clareia uma fogueira.

Uma dança sacode a terra inteira.

E sombras disformes e descompostas

Em clarões negros do vale vão

Subitamente pelas encostas,

Indo perder-se na escuridão.

 

De quem é a dança que a noite aterra?

São os Titãs, os filhos da Terra,

Que dançam da morte do marinheiro

Que quis cingir o materno vulto —

Cingi-lo, dos homens, o primeiro —,

Na praia ao longe por fim sepulto.

 

Dançam, nem sabem que a alma ousada

Do morto ainda comanda a armada,

Pulso sem corpo ao leme a guiar

As naus no resto do fim do espaço:

Que até ausente soube cercar

A terra inteira com seu abraço.

 

Violou a Terra. Mas eles não

O sabem, e dançam na solidão;

E sombras disformes e descompostas,

Indo perder-se nos horizontes,

Galgam do vale pelas encostas

Dos mudos montes.

s.d.

Por outro lado, o poema “Fernão de Magalhães” é composto por quatro sextilhas cujos versos são decassilábicos, à exceção do último. Nesta composição existe rima emparelhada nos dois primeiros versos de cada estrofe - como é visível em “(...) fogueira / (...) inteira” (vv. 1-2) - e rima cruzada nos restantes - como é possível verificar em “(...) marinheiro / (...) primeiro” (vv. 9 e 11). 

Esta com-posição inclui-se na Parte II do livro, Mar Português, pois fala da Viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães e do domínio sobre as forças da natureza por parte dos homens, nomeadamente dos mares, ou seja, enquadra-se no período dos Descobrimentos, com feitos heróicos que deram um contributo de caráter universal, realizados com “Mais do que prometia a força humana”.

Esta composição inicia-se com a descrição da dança dos Titãs - “Uma dança sacode a terra in-teira” (v. 2) -, que representam as forças da natureza, sendo descrita a sua imprevisibilidade, caráter indomável. Atente-se nos excertos: “(...) sombras disformes e descompostas” (v. 3), “(...) clarões negros” (v. 4). O segundo exemplo, através do oxímoro (“clarões negros”), reforça ainda mais a ideia de que estas forças são enigmáticas e obscuras.

Na segunda estrofe é explicitado quem dança, os Titãs, filhos da Terra. É clarificado, também, o motivo da dança. Veja-se: “(...) dançam da morte do marinheiro” (v. 9). Este marinheiro é Fernão de Magalhães, “dos homens, o primeiro” (v. 11), “Que quis cingir o materno vulto” (v.10) - “materno vulto” refere-se à Terra, mãe dos Titãs -, ou seja, foi o primeiro homem a efetuar a circum-navegação.

Magalhães faleceu em combate na ilha Máctan, nas Filipinas, enquanto tentava completar a volta ao globo, como Pessoa refere: “Na praia ao longe por fim sepulto.” (v. 12). 

Mas o importante, no contexto de Mensagem, é que a Viagem foi completada mesmo depois de Fernão de Magalhães morrer. Assim: 

«a alma ousada/Do morto ainda comanda a armada,/Pulso sem corpo ao leme a guiar/As naus no resto do fim do espaço».

Através de várias metáforas, fica expressa uma das chaves de Mensagem - o espírito é mais forte do que o corpo/a carne/a existência material. O navegador morrera, mas a força da vontade, da abnegação e do exemplo que dera em toda a viagem até ali serve de guia e motivação para a viagem ser finalizada, completando o conhecimento do «resto do fim do espaço», afinal - a viagem alterou para sempre o conhecimento do nosso planeta. 

B. Roque e Miguel M.|12ºA

«O português Fernão de Magalhães ficou para a história como o primeiro homem a empreender a primordial e bem sucedida viagem de circum-navegação, sob os auspícios de Carlos I de Espanha.

(...) Serviu na carreira da Índia, esteve ao serviço de vários governadores e no Norte de África entre 1505 e 1514.

Apresentado ao rei de Castela, (...) o seu projecto de atingir as terras das especiarias rumando a Ocidente, obtém (...) aprovação. / A sua esquadra partiu de Sanlúcar de Barrameda em 20 de setembro de 1519 e, era composta por cinco navios e uma tripulação total de 234 homens, entre os quais alguns portugueses.

A viagem sofreu várias vicissitudes, desde o motim da tripulação, tempestades, o frio do Inverno, os confrontos com indígenas, as sucessivas tentativas para encontrar a passagem para o Oceano Pacífico, o que aconteceu em novembro de 1520.

Foi na ilha de Cebu, nas Filipinas, a 27 de abril de 1521 que Fernão de Magalhães morreu, às mãos de um chefe de uma tribo local, na sequência de mais um conflito.

A viagem prosseguiu sob o comando de Juan Sebastián Elcano. Apenas um navio regressou a Sevilha a 8 de setembro de 1522 com tão só 18 sobreviventes, um dos quais António Pigafetta, italiano que escreveu o diário da viagem.»

Créditos: Arquivo Nacional da Torre do Tombo AQUI

Saber mais sobre a VIAGEM DE CIRCUM-NAVEGAÇÃO, cujos 500 anos se assinalam. 

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