O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
9-9-1918
O poema “O Mostrengo” [...] pertence à parte dois da Mensagem ,
Mar Português. Este faz parte do Mar Português pois fala sobre o
encontro dos portugueses com o Mostrengo, na Mensagem de Fernando
Pessoa, ou Adamastor n’ Os Lusíadas, de Luís de Camões, aquando da
dobragem do Cabo da Boa Esperança, na época dos descobrimentos.
Esta composição poética estrutura-se em três nonas,
tem uma rima emparelhada e cruzada, contendo um verso branco no terceiro
verso de cada estrofe e, em relação à métrica apresenta versos
decassilábicos e versos hexassílabos, octossilábicos e eneassílabos com
refrão hexassilábico.
Neste poema os portugueses encontram-se com o Mostrengo durante a noite, que juntamente com o mar e até mesmo o próprio Mostrengo representam o mistério e o medo, que aparece voando à roda da nau e lhes pergunta quem são e o que fazem no seu mar.
À medida que este encontro se vai desenvolvendo, percebemos através de expressões como “Voou três vezes a chiar”, “De quem são as velas onde me roço” e “escorro os medos do mar sem fundo” que o Mostrengo representa as forças da natureza (como o vento e o mar) que servem de obstáculo aos portugueses e à sua missão, missão essa dada por D. João II.
D. João II havia falecido em 1495, mas a viagem da descoberta do caminho para a Índia só começaria em 1497, no reinado de D. Manuel. Com isto percebemos que F. Pessoa quer demonstrar que, mesmo morto, a vontade de D. João II de “querer ir mais além” é levada pelos portugueses e é isso que lhes dá coragem pois no poema o homem do leme, quando questionado pelo Mostrengo sobre “quem é que ousa entrar/Nas minhas cavernas (…) do fim do mundo?” ele diz enquanto treme “El Rei D. João Segundo”. Mais à frente quando questionado uma segunda vez, o homem treme e repete “El Rei D. João Segundo”.
Através destas repetições e de “Três vezes do leme as mãos ergueu/Três vezes ao leme as reprendeu” conseguimos compreender a superação e a coragem que o povo português demonstrou perante as forças da natureza e o desconhecido.
Rafael R., 11º B
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