O DESEJADO
Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!
Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!
18-1-1934
ANTÓNIO VIEIRA
O céu estrela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e a glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.
No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.
Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
31-7-1929
Proposta de análise dos poemas “O Desejado” e “António Vieira”
A Mensagem é a única obra publicada por Fernando Pessoa em vida […] . Fernando Pessoa parte de um fundo histórico a que acrescenta qualidades e simbologia míticas. Os dois poemas a serem tratados neste texto, “António Vieira” e “O Desejado” enquadram-se na 3ª é e última parte de Mensagem, “O Encoberto”, que por sua vez está dividido em três partes: “Os Símbolos”, “Os Avisos”, e “Os Tempos”.
O primeiro poema a analisar, O Desejado está incluído n’”Os Símbolos”. É um poema constituído por três quadras cujo esquema rimático é ababcdcdefef (rima cruzada). Os três primeiros versos de cada estrofe são decassílabos e o último é um hexassílabo.
Neste poema Fernando Pessoa dirige-se a D. Sebastião por meio de uma apóstrofe (“onde quer que [...] jazas”, “ergue-te”). Os dois primeiros versos do poema transmitem a ideia do mito e mistério que rodeia esta personagem através do uso das palavras e expressões “entre sombras e dizeres” e “sonhado”. O autor não pretende referenciar D. Sebastião enquanto personagem histórica mas sim enquanto ideia mítica, sendo que a única passagem no poema que remete para a pessoa D. Sebastião é “Onde quer que [...] jazas, remoto”, referindo-se esta última palavra à batalha de Alcácer-Quibir, local onde D. Sebastião histórico morre e nasce a lenda. Esta ideia é perpetuada pelos dois próximos versos seguintes: “E ergue-te do fundo de não-seres\ /Para o teu novo fado”, sendo este fundo um eufemismo para a morte física de D. Sebastião e o erguer para um novo fado um apelo para que prevaleça o mito do homem e carregue este consigo uma nova missão, uma missão como sinal de esperança e iniciativa para o povo português.
Na segunda estrofe, o poeta referencia Galaaz, o mais nobre e puro cavaleiro da Távola Redonda, o único capaz de ascender ao seu verdadeiro propósito, obter aperfeiçoamento moral necessário para alcançar o Santo Graal, cálice que Jesus Cristo utilizou durante a Última Ceia. Com esta referência, F. Pessoa passa novamente a ideia que assim como Galaaz o mito de D. Sebastião também tem uma missão superior e divina, neste caso de apaziguar e encaminhar para a glória uma nova era “A alma penitente” do seu povo. Por fim, na última estrofe, o autor dirige-se D. Sebastião como “Mestre da Paz”, continuando ainda a sua analogia à com a lenda arturiana, pedindo-lhe que erga o seu “gládio ungido”, chamando lhe até Excalibur do Fim, um símbolo de força e poder que F. Pessoa indiretamente atribui à ideologia perpetuada pelo mito de D. Sebastião […]. De seguida o autor refere que esta Luz será revelada “ao mundo dividido”, contemplando os 4 Impérios que fazem o mundo, o Grego, o Romano, o Cristão e o Inglês, representando cada um certos contributos imateriais que deverão, no ver de F. Pessoa, ser compilados num final e iluminado Quinto Império, sendo esta ideia culminada pela referência ao objetivo máximo da lenda arturiana, o Santo Graal. Este poema denomina-se “O desejado” pois era o cognome do rei e realça o papel de D. Sebastião mítico, símbolo de esperança, ideal, aventura, risco, como peça necessária (desejada) para dar forças ao povo português para completar a sua missão.
O segundo poema a analisar é “António Vieira” e está incluído na segunda subparte “Os Avisos”. Relativamente a sua estrutura, este poema é constituído por três quadras, sendo o seu esquema rimático ababcdcdefef, ou seja, a sua rima é cruzada. Dentro de cada quadra, os primeiros três versos são decassílabos e o último é um hexassilabo. Na primeira quadra o uso das expressões: “teve a fama e a glória tem”, “imperador da língua portuguesa” transmite a ideia de admiração e respeito que o autor tem pelo Padre António Vieira. Através do uso da comparação “Foi-nos um céu também”, Fernando Pessoa realça, novamente, a importância e o papel de Vieira na literatura portuguesa. Na estrofe seguinte, F. Pessoa faz referência às profecias de António Vieira acerca do futuro do mundo. Numa das suas obras, Vieira apoia a ideia, com base em profecias religiosas, da vinda de um Quinto Império, o último da história, unificador dos quatro grandes impérios anteriores. Este Quinto Império, mundial, teria como governante espiritual o papa de Roma e como governante temporal um rei português. Não se sabe ao certo quem seria esse monarca: D. Sebastião ou D. João IV ou um dos seus dois filhos. O candidato mais provável seria D. João IV. português e representaria uma nova fase de glória para o povo lusitano. Com a expressão “Surge, prenúncio claro do luar,/ El-rei D. Sebastião”, o autor dá a ideia de que assim como o luar, o mito de Sebastião, como símbolo de ideal, ambição e de aventura, seria a luz na noite escura, ou seja, seria a ideia que iria guiar o povo português para o seu renascimento como povo dominante e influenciador. D. Sebastião mítico representa todas as qualidades que o povo português necessitaria para conquistar erguer o Quinto Império e, segundo António Vieira, completar a sua missão. No entanto, não é o luar, é algo muito maior, divino, para além da compreensão humana, é a “luz do etéreo”; nesta última quadra, está exposta a ideia de que por forças maiores, os portugueses estão destinados ao Quinto Império (“A madrugada irreal do Quinto império/ doira as margens do Tejo”).
Este poema é denominado “António Vieira” pois é dedicado ao padre e escritor português, pelo papel que teve como profeta (aviso) da teoria do quinto império, um futuro português grandioso mais elevado, universal.
Ambos os poemas se enquadram perfeitamente na 3ª parte de Mensagem, como prenúncio de tudo aquilo que o povo português está destinado a fazer, como profetas de uma missão que começou com os descobrimentos, mas que agora é necessário acabar. O primeiro (“o desejado”) incluído n’ “Os Símbolos” demonstra todas as qualidades e necessidades que são precisas para que o povo português cumpra por completo a sua missão e finalmente una o mundo não só fisicamente, através dos mares, mas também espiritualmente por meio de um utópico e final Quinto Império. Já o segundo faz referência a António Vieira, não só como “imperador da língua portuguesa”, melhor escritor da sua época, mas também como importante profeta e anunciador da teoria do Quinto Império, motivo pelo qual este poema está incluído n’ “Os Avisos” .
C, Martins e A. Umbelino, 12°
1 comentário:
Atenção:
Os colegas terão de melhorar a análise da linguagem, a expressividade dos recursos, pois - embora a colega o tenha feito na apresentação - tal não está satisfatoriamente tratado no texto.
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