Deixo o texto que saiu no exercício. Vale a pena pensar no assunto.
Uma cientista em estado líquido[1]
Mudei
de trabalho, mudei de vida, mudei de país. Sim, também eu mudei de país! A
burocracia venceu, desisti por exaustão.
A
mobilidade é importante na ciência. Até fundamental, diria. Mas para
enriquecer a academia, a mobilidade implica um fluxo contínuo com partidas de
chegadas de cientistas. Senhores governantes, conseguiram promover a
mobilidade, em fluxo contínuo, mas num só sentido. Para fora!
Estamos
em crise, são tempos difíceis. De acordo. Mas o exemplo tem que vir de cima e
não vem. (…) Instituições congelam, projetos ficam parados e cientistas
desesperam, graças a esses mesmos despachos emitidos de um qualquer gabinete
ministerial. Executar um projeto, no sentido contabilístico, é um pesadelo
real para um cientista. Será mais fácil descobrir a origem da vida do que
conseguir transferência de verbas a tempo para a investigação. (…)
E
agora, pode um cientista mudar o sistema? Os cientistas portugueses podem
assumir três “estados” primários materiais: o sólido, o líquido e o gasoso.
O
cientista sólido estabeleceu-se, tem um lugar permanente como investigador ou
professor universitário (que, na realidade, combina investigação com ensino),
não muda de forma, até ver.
O
cientista do estado líquido não tem um lugar permanente, é um precário
contratualizado. Em teoria, tem boas condições de trabalho, na prática nada
funciona. No que toca a responsabilidades, é cristalino de tão sólido, no que
toca a direitos… bom, depende dos dias. Como um líquido, molda-se às novas
situações, até um certo limite.
O
somatório de frustrações burocráticas e institucionais provoca ebulição e o
cientista líquido passa ao estado gasoso. Neste estado, é um precário
bolseiro de investigação. É um profissional da ciência, encartado com os mais
variados graus, e cuja bolsa atual não lhe confere grau académico. O seu
estado gasoso possibilita a libertação imediata em momentos de crise. Não há
transferência de verbas? O burocrata resolve: abre a válvula de escape e
soltam-se uns bolseiros no éter, que nem deixam marcas de tão voláteis que
são.
Nenhum
destes três estados fundamentais têm energia para combater o sistema, se do
outro lado o seu interlocutor é fraquinho. Simplesmente, não vai perceber.
Cientistas sólidos, quase todos com mais de 50 anos, têm outros, também
sérios, problemas. As universidades vão muito mal. Cientistas líquidos e
gasosos escapam-se assim que podem. Coisa curiosa, essa, do cientista que
come e precisa de teto, como todos os outros.
Filipa
Marques (Investigadora no Centro para
a Geobiologia da
Universidade de Bergen, Noruega). In PÚBLICO,
secção Ciência.
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[1] Texto publicado no Jornal Público, de 16/10/2013. Disponível em http://www.publico.pt/ciencia/
noticia/uma-cientista-
em-estado-liquido-1609314, acedido em 24/10/2013.
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