“Vou contar o que aconteceu na Vega
Central, o mercado maior e mais popular de Santiago do Chile.
Alguém veio um
dia buscar-me de automóvel, fazendo-me entrar no veículo sem saber exatamente
para onde e ao que ia. Levava no bolso um exemplar do livro Espana en el corazón. Dentro do carro
explicaram-me que estava convidado para fazer uma conferência no Sindicato dos
Carregadores da Vega.
Quando entrei
naquela sala desordenada, senti o frio do Noturno
de José Asunción Silva, não só pelo adiantado Inverno como pelo ambiente, que
me deixava atónito. Sentados em caixotes ou em improvisados bancos de madeira,
uns cinquenta homens aguardavam-me. Alguns tinham à cinta um saco amarrado em
jeito de avental, outros cobriam-se com velhas camisolas remendadas e outros
desafiavam o frio mês de julho chileno com o torso nu. Eu sentei-me por detrás
da mesinha que me separava daquele estranho público. Todos me fitavam com os
olhos carbónicos e estáticos do povo do meu país. […]
Que fazer com
este auditório? De que poderia falar-lhe? Que coisas da minha vida seriam
capazes de lhes interessar? Sem atinar numa decisão e escondendo o desejo de
sair a correr, agarrei no livro que levava comigo e disse-lhes:
- Estive em
Espanha há pouco tempo. Havia lá muita luta e muitos tiros. Ouçam o que escrevi
sobre aquilo.
Devo notar que o
livro Espana en el corazón nunca me
pareceu de fácil compreensão. Revela um esforço de clareza, mas está embebido
do torvelinho daquelas grandes, múltiplas dores.
O facto é que
pensei ler umas tantas estrofes, juntar umas quantas palavras, e despedir-me.
Mas as coisas não aconteceram assim. Ao ler poema após poema, ao sentir o
silêncio, como de água profunda, em que as minhas palavras caíam, ao ver como
aqueles olhos e sobrancelhas escuras seguiam intensamente a minha poesia,
compreendi que o livro chegava aos destinatários. Continuei a ler mais e mais, comovido
eu próprio pelo som da minha poesia, agitado pela magnética relação entre os
meus versos e aquelas almas abandonadas.
A leitura durou
mais de uma hora. Quando me preparava para sair, um daqueles indivíduos
levantou-se. Era dos que tinham o saco atado em torno da cintura.
Quero
agradecer-lhe em nome de todos - disse em voz alta. - Quero dizer-lhe, além
disso, que nada até hoje nos impressionou tanto.
Ao proferir estas
palavras, estalou nele um soluço. Outros mais choraram também. Saí para a rua
por entre olhares húmidos e rudes apertos de mão.
Poderá um poeta
continuar a ser o mesmo depois de passar por estas provas de frio e fogo?”
Pablo
Neruda, Confesso Que Vivi
Sem comentários:
Enviar um comentário