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28 setembro 2023

Fernando Pessoa, Mensagem

“Desejo ser um criador de mitos, que é a tarefa mais alta que pode obrar alguém na humanidade.” F. Pessoa


«Publiquei em Outubro passado, pus à venda, propositadamente, em 1 de Dezembro, um livro de poemas, formando realmente um só poema, intitulado Mensagem. (...) A muitos (...) certas coisas causaram perplexidade e confusão; a estrutura do livro, a disposição nele das matérias, e mormente a mistura, que ali se encontra, de um misticismo nacionalista, ordinariamente colado, onde entre nós apareça, ao espírito e às doutrinas da Igreja de Roma, com uma religiosidade, deste ponto de vista, nitidamente herética.
 (...) de facto, fui sempre fiel, por índole, e reforçada ainda por educação - a minha educação é toda inglesa -, aos princípios essenciais do liberalismo - que são o respeito pela dignidade do Homem e pela liberdade do Espírito, ou, em outras palavras, o individualismo e a tolerância, ou, ainda, em uma só palavra, o individualismo fraternitário.
 

Há três realidades sociais - o indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo mais é fictício.
São ficções a Família, a Religião, a Classe. É ficção o Estado. É ficção a Civilização. O indivíduo, a Nação, a Humanidade são realidades porque são perfeitamente definidos. Têm contorno e forma. O indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental - é um corpo vivo e uma alma viva .
A Nação é também uma realidade, pois a definem o território, ou o idioma, ou a continuidade histórica - um desses elementos, ou todos. (...) A Humanidade é outra realidade social, tão forte como o indivíduo, mais forte ainda que a Nação, porque mais definida do que ela. O indivíduo é, no fundo, um conceito biológico; a Humanidade é, no fundo, um conceito zoológico - nem mais nem menos do que a espécie animal, formada de todos os indivíduos de forma humana. Uma e outra são realidades com raiz. A Nação, sendo uma realidade social, não o é material: é mais um tronco que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a Nação o caminho entre eles. É através da fraternidade patriótica (...) que gradualmente nos sublimamos, ou sublimaremos, até à fraternidade com todos os homens

(...)
Ser intensamente patriota é três coisas. É, primeiro, valorizar em nós o indivíduo que somos, e fazer o possível por que se valorizem os nossos compatriotas, para que assim a Nação, que é a suma viva dos indivíduos que a compõem, e não o amontoado de pedras e areia que compõem o seu território, ou a coleção de palavras separadas ou ligadas de que se forma o seu léxico ou a sua gramática possa orgulhar-se de nós que, porque ela nos criou, somos seus filhos, e seus pais, porque a vamos criando.
Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Autointerpretação (os destaques são nossos)


Na Mensagem, os heróis só têm sentido enquanto figuras míticas. Não está em causa os feitos que realizaram ou a glória que alcançaram (veja-se o caso de D. Fernando - Infante de Portugal ou de D. Sebastião), mas tão só aquilo que a sua ação e/ou o seu ideal significou na história e na evolução da humanidade. 

Os navegadores/descobridores portugueses além de criarem uma identidade nacional que sublimaram, realizaram uma missão, uma obra que está para além da capacidade de decisão humana - «os portugueses cumpriram, na perspetiva pessoana, um desejo divino, tendo percorrido um caminho que deve ser encarado como um processo iniciático, cuja finalidade é o aperfeiçoamento progressivo do ser humano»

Mensagem

Para relembrar o texto expositivo, fica um sobre Mensagem
Aproveitem para informação e para treino de escrita.

A Mensagem poderá ser vista como uma epopeia, porque parte de um núcleo histórico, mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade.  Aqui, a acção dos heróis só adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica. Aqui só serão eleitos, terão direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestem em si esses mitos significativos. (...)

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a de um mito, numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história de uma pátria como o mito de um nascimento, vida e morte de um mundo; morte que será seguida de um renascimento. Desenvolvendo-a como uma idade completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, o Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte: essa que conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte é toda ela um fim, uma desintegração; mas também toda ela cheia de avisos, prenhe de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem à Luz: depois da Noite, e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos.

(212 palavras)
Dalila L. Pereira da Costa, O Esoterismo de Fernando Pessoa

Na mudança de regime - da monarquia para a República - houve que escolher uma nova bandeira. Eis aqui os projetos e a bandeira escolhida em 1910

LER+ sobre o significado dos elementos da bandeira 

Sebastianismo. Mensagem e Os Lusíadas


Relê, revê o que já havias passado, regista as ideias-chave, confronta com os teus textos de análise dos poemas e melhora o que escreveste.

A Mensagem é um livro de 44 poemas breves, escritos em várias épocas, que, no seu conjunto, constituem um longo poema. Apresenta uma leitura simbólica e mítica da História de Portugal. Apesar de partir de um núcleo histórico concreto, e de personagens com existência histórica, o que interessa ao poeta, o que une todos esses “heróis” (ganhadores ou perdedores), é o seu lado ideal e mítico, o cumprimento de uma missão maior a que foram chamados, a “febre d’Além” (ver D. Fernando, Infante de Portugal), a grandeza de alma insatisfeita, o sonho que eleva a humanidade acima da “besta sadia”. A matéria literária é histórica. A leitura dela feita é lírica, simbólica e mítica.

 Na Mensagem, Portugal é um instrumento de Deus; os heróis cumprem um destino que os ultrapassa: “Foi Deus a alma e o corpo Portugal”. (F.P.)  “Deus ou os deuses talharam o destino dos povos.” (J. Prado Coelho)


A Mensagem é um “elogio do Português, desvendador e dominador de mundos”, não enquanto poderio terreno, mas enquanto ideal, procura de Absoluto. Por isso o Império Português do Século XVI foi apenas um “obscuro e carnal arremedo” desse outro Império Espiritual por achar:   Cumpriu-se o Mar, e o império se desfez./Senhor, falta cumprir-se Portugal!” . Pessoa exalta não o Império terreno, mas o Projecto, a Ideia condutora, o imaterial, o sonho, o mito, a fome de impossível, a loucura enquanto arrojo, quimera.

“Depois da conquista dos mares deve vir a conquista das almas.”

Também Camões e Os Lusíadas apresentam uma visão mística e de missão da História de Portugal. D. Sebastião n’Os Lusíadas é “Maravilha fatal da nossa idade, / Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, /Para do mundo a Deus dar parte grande” (para alargar a Cristandade). D. Sebastião é o símbolo do nosso messianismo – promessa, esperança, salvação, renovação. Mas muito do que em Os Lusíadas é acção/história, na Mensagem é já só ideal / mito. Do destinatário real de Os Lusíadas (D. Sebastião, rei de Portugal em 1572) Camões espera acção concreta ligada ao ideal de cruzada, num tempo específico, face a problemas, situações e vícios enumerados ao longo da obra, nos finais dos cantos. Para Pessoa, a evocação da figura é do âmbito do símbolo, do mito. Pessoa no-lo afirma: 

«O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional no sentido dum mito. / No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico. (…) morto D. Sebastião, o corpo, se conseguirmos evocar qualquer coisa em nós que se assemelhe à forma do esforço de D. Sebastião, ipso facto o teremos evocado (…) Por isso quando houverdes criado uma coisa cuja forma seja idêntica à do pensamento de D. Sebastião, D. Sebastião terá regressado.»

Fernando Pessoa, in Sobre Portugal, ed. Ática (sublinhado, meu)

Quanto à estrutura Os Lusíadas são pela forma e pela substância (exaltação da acção humana) uma epopeia clássica, a narração onde se entrelaçam a Viagem de Vasco da Gama, as intrigas dos Deuses e a História de Portugal.

A estrutura da Mensagem tem por base uma teoria cíclica – a das Idades;

A obra está dividida em três partes, pois olha a história da pátria como o mito de um nascimento (Brasão), vida (Mar Português) e morte de um mundo, seguida dum renascimento (O Encoberto): “Ó Portugal, hoje és nevoeiro... / É a Hora ! “   (“Nevoeiro”) . A primeira e a terceira parte estão subdivididas: Brasão subdivide-se de acordo com os símbolos da bandeira nacional - «Os  Campos», «Os Castelos», «As Quinas», «A Coroa» e «O Timbre»; a 3ª apresenta «Os Símbolos», «Os Avisos» e «Os Tempos». Todas estas divisões e designações revelam um sentido emblemático, ocultista; mais interpretativo e espiritual que narrativo/épico (como acontece em Os Lusíadas). Pessoa vê símbolos em tudo.


"Mensagem" de Fernando Pessoa - os símbolos


A Mensagem é algo mais, muito mais, que uma mera viagem temporal e espacial pela mitologia, pré-história e história de Portugal. É essencialmente uma viagem pelo mundo labiríntico dos mistérios e dos enigmas e dos símbolos e dos signos secretos, em demanda da verdade.” 
António Cirurgião

 SIMBOLOGIA de MENSAGEM| Para além dos elementos que deves consultar no Manual e no Caderno de Atividades, deixo algumas informações adicionais.   

 ◆ A Terra: a Terra aparece como uma projeção do céu e representa o seu princípio passivo, isto é, funciona como recetáculo da vontade de Deus.(...) Mas a Terra é também um espaço de recompensa; é o porto que espera os portugueses, após um longo período de viagem marítima. (...) a Terra seria, após a purificação humana e a instauração da fraternidade universal, uma imagem do paraíso mítico.(...)

 ◆ A Ilha: (...) Pelo seu difícil acesso, ela representa um centro espiritual e primordial. Com efeito, é necessário sabedoria e passar por algumas provações (é o caso dos navegadores portugueses) para a alcançar. Local paradisíaco, onde impera a paz, ela situa-se no domínio do sagrado, longe das massas profanas. Surge, de igual forma, como uma recompensa, como uma conquista, como um prémio merecido, após as tormentas. A ilha significa a promessa de felicidade na terra.

 ◆ A Nau: simboliza a viagem interior, as provações, o caminho a percorrer em direção ao heroísmo. Está ligada à iniciação, que pressupõe a morte, para se dar lugar a um novo ser. Com efeito, o indivíduo inicia uma nova fase da sua existência, na qual procura uma comunhão com o sagrado. Na obra Mensagem, as naus portuguesas conduziram à aquisição do conhecimento de novos mundos e de novas gentes (...) 

A Noite: "Noite" é o título do primeiro poema incluído no bloco "Os Tempos" (na terceira parte da obra). A noite é o símbolo da morte, da ausência de manifestações. (...) A noite implica a hipótese de renascimento, a reconquista de um espaço espiritual perdido, a hipótese de acção dos portugueses, depois de um período de inação.

 ◆ A Manhã: a simbologia deste elemento encontra-se no penúltimo poema da Mensagem, intitulado "Antemanhã". (...) Este período do dia significa a harmonia entre os seres humanos. É um tempo de luz, de vida, de promessa e de felicidade.

O Nevoeiro (O Encoberto): simbologia do Encoberto (D. Sebastião) liga-se à do nevoeiro (aliás, o título do último poema da obra Mensagem). A este associa-se a indefinição, a indiferenciação das formas e, simultaneamente, a hipótese de revelação de novas realidades. É esta promessa de uma nova existência que determina o valor simbólico do nevoeiro, associado à esperança e à regeneração.


Créditos da imagem:  http://obviousmag.org/archives/2007/05/mensagem.html

27 setembro 2023

Sebastianismo



"A literatura chorou, com a perda de D. Sebastião, o desfazer das esperanças desmedidas, a ruína dum povo que, havia pouco, deslumbrara o mundo com os Descobrimentos e a criação de um grande Império. Foi então que surgiu, como instintiva reacção, o sebastianismo.(...)
 

Julgou-se que só a fé visionária poderia salvar-nos.(...)[ partir do século XIX] o sebastianismo foi passando da esfera política para os domínios literário e culturológico. 

O sonho heróico de D. Sebastião, a sua morte na batalha, o mito do seu regresso e a quimera do Quinto Império inspiram poetas e prosadores."

Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA




 O Mito Sebastianista

Na Mensagem, o  sebastianismo é abordado como mito, que exprime o drama de um país  sem brilho, “à beira mágoa” a necessitar de acreditar de novo nas suas capacidades:
 “Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso d’El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade Imperial projectaram a sua fé de que a família se não extinguisse”.
 (Fernando Pessoa)

D. Sebastião-ideia representa a hipótese de salvação e regeneração para o povo português; é a base da Mensagem: partir do mito como força/impulso para a vontade de transformar a realidade.

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1ª e 3ª imagens - filme  Non ou a vã glória de mandar, de Manoel de Oliveira

Cena: A batalha de Alcácer Quibir (1578)

Valete, Fratres

Valete, Fratres

Sobre o significado desta expressão latina com que encerra MENSAGEM, fica um esclarecimento. 

 'O verbo valĕo, vales, valēre, valŭi, valĭtum, que deu origem ao nosso valer, tinha vários significados em latim. Um deles, que nos interessa particularmente neste caso, pode traduzir-se por «ter saúde, estar são, estar bem de saúde, passar bem». Serviam-se os romanos amiúde deste verbo, não só para indagar sobre o estado de saúde de alguém (por exemplo, ut vales? ou quomodo vales?, «como estás?», «como tens passado?»), mas também como fórmula de despedida epistolar. Para este último efeito, recorriam ao imperativo singular vale! («passa bem!», «fica bem!») ou plural valete! («passai bem!, ficai bem!»), consoante o número de destinatários da missiva. ' [...]

'Com o tempo, a fórmula de despedida epistolar dos romanos acabou por ganhar terreno também em todo o género de obras escritas em latim [...]

'Dado o prestígio da língua latina, é natural que Vale (ou Valete, no plural) tivesse ganhado terreno igualmente em obras escritas em português ou noutras línguas. Por exemplo, Fernando Pessoa (1888-1935), na sua magnífica Mensagem, despede-se da seguinte forma: Valete, Fratres («Passai bem, Irmãos»).'

in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-expressao-vale-a-finalizar-livros/33821 [consultado em 19-10-2020]



22 setembro 2023

21 setembro 2023

Projeto Individual de Leitura - sugestões

Viva a Liberdade! (tema geral)
Na sequência da nossa aula na Biblioteca escolar e da breve apresentação de livros da «montra» selecionada sobre o tema das décadas de 30 a 70 do século XX, em Portugal e na Europa, ficam algumas das sugestões, romance, teatro e não-ficção; as breves informações sobre cada um dos livros têm como fonte a FNAC https://www.fnac.pt/


Um Clássico Universal sobre a Sobrevivência, o Amor e o Legado do Mal em Tempos de Guerra.

A Alemanha nazi ocupava grande parte da Europa. Terra de todos e de ninguém devido ao jogo duplo de Salazar, Lisboa foi durante toda a guerra um território neutro. Num cenário de conflito e perseguição, tornou-se num paraíso à beira-mar plantado.

Para além da sua beleza natural e da paz, foi uma das poucas portas de saída para os que desejavam uma oportunidade para construir uma nova vida do outro lado do Atlântico.

Depois… uma noite em Lisboa, quando um refugiado olha cobiçosamente para um transatlântico, um homem aproxima-se dele com dois bilhetes de embarque e uma história para contar.

É uma história perturbante de coragem, traição, risco e morte. Onde o preço do amor vai para além do imaginável e o legado do mal é infinito. À medida que a noite evolui, os dois homens e a própria Lisboa criam um laço que vai durar o resto das suas vidas…

Numa manhã chuvosa, uma mulher prepara-se para saltar de uma ponte, em Berna. Raimund convence-a a não fazê-lo, e consegue, mas depois a mulher desaparece. Tudo o que sabe é que é portuguesa. De tarde, entra numa livraria e, por acaso, descobre um livro de um autor português, Amadeu de Prado, que foi médico, poeta e resistente durante o salazarismo.

Raimund é, desde há muito tempo, professor de latim e grego, o que já o entusiasma tão pouco como o seu casamento, já em estado de desagregação. Aprende português e, uma noite, mete-se num comboio para Lisboa, uma cidade que irá ser o local de todas as revelações: dos mistérios da vida humana, da coragem, do amor e da morte.



Lisboa, 1941. Um oásis de tranquilidade numa Europa fustigada pelos horrores da II Guerra Mundial. Os refugiados chegam aos milhares e Lisboa enche-se de milionários e atrizes, judeus e espiões. Portugal torna-se palco de uma guerra secreta que Salazar permite, mas vigia à distância. Jack Gil Mascarenhas, um espião luso-britânico, tem por missão desmantelar as redes de espionagem nazis que atuavam por todo o país, do Estoril ao cabo de São Vicente, de Alfama à Ericeira. Estas são as suas memórias, contadas 50 anos mais tarde. Recorda os tempos que viveu numa Lisboa cheia de sol, de luz, de sombras e de amores. Jack Gil relembra as mulheres que amou; o sumptuoso ambiente que se vivia no Hotel Aviz, onde espiões se cruzavam com embaixadores e reis; os sinistros membros da polícia política de Salazar ou mesmo os taxistas da cidade.
Um mundo secreto e oculto, onde as coisas aconteciam «enquanto Salazar dormia», como dizia ironicamente Michael, o grande amigo de Jack, também ele um espião do MI6. Num país dividido, os homens tornam-se mais duros e as mulheres mais disponíveis. Fervem intrigas e boatos, numa guerra suja e sofisticada, que transforma Portugal e os que aqui viveram nos anos 40."




A memória das experiências vividas durante a guerra em Angola. A partir de um encontro noturno, num bar, do narrador com uma mulher, sem nome e sem voz, surge num longo monólogo o percurso de um médico militar que, depois de passar vinte e sete meses em Angola a servir o exército colonial, a reconstituir os corpos explodidos na guerra ou a assistir à sua agonia, regressa à metrópole, perdido numa angústia sem saída.



Gineto, Gaitinhas, Malesso, Maquineta, tantos outros, são os operários-meninos dos telhais à beira dos esteiros do Tejo. Sujeitos à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiando ou roubando para comer durante o resto do tempo, apesar de tudo - sonham. "Esteiros" é um dos textos inaugurais do neorrealismo e um romance marcante da literatura portuguesa do século XX.

«Será preciso chegar a autora de Sob Céus Estranhos para nos dar, a propósito do tema da adaptação de um imigrado judeu, o mais perfeito retrato da cidade do Porto dos anos 40 (para não dizer o único retrato), que continua a estar certo para a cidade do Porto dos anos 60, como talvez venha a estar para a dos anos 80, ou mesmo mais.
Sob Céus Estranhos é um livro novo na sua bibliografia e, sem qualquer exagero, um belo livro. Beleza que não é aparente dos estilos labo-riosos, engalanados de ver a Deus, mas a que resulta de uma linguagem simples, linear, discretamente poética, façanha sempre singular quando brota de alguém que só na idade adulta ouviu pela primeira vez o idioma que nessa linguagem se vasou».
Alexandre Pinheiro Torres in Jornal de Letras e Artes, 1962


«Raparigas da Mocidade, o vosso dever é reagir contra tudo o que é mau. Vesti com orgulho o fato de banho da Mocidade: ele fala por vós e diz aos que vos vêem quem vós sois: verdadeiras raparigas alegres e saudáveis – mas puras!»

Boletim da MPF, 1940

Em 1937, a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF) nascia com o objectivo de criar a nova mulher portuguesa: boa esposa, boa mãe, boa doméstica, boa cristã, boa cidadã sempre pronta a contribuir para o Bem comum, mas sempre longe da intervenção política deixada aos homens. A historiadora Irene Flunser Pimentel traça-nos a história deste movimento, obrigatório para mulheres dos sete aos catorze anos, através do Boletim do MPF e mais tarde da revista Menina e Moça, veículos de transmissão dos valores e comportamentos ditados pelo regime salazarista. Ao folhearmos estas páginas, deparamo-nos com raparigas fardadas de bandeira em punho, lições de lavores e trabalhos manuais ou outros afazeres da vida doméstica, indicações sobre o fato de banho oficial com decote pouco generoso e saia não muito curta, lemos textos sobre a atitude a ter em casa com o marido, conselhos sobre livros fundamentais e outros proibidos aos olhos destas jovens e aprendemos as virtudes dos grandes heróis nacionais como D. Filipa de Lencastre ou o Santo Condestável.

«"A Noite", a primeira obra dramática de Saramago que o escritor dedica a Luzia Maria Martins, a pessoa que o "achou capaz de escrever uma peça". Seria mesmo. A noite de que se fala nesta peça ficou para a história: de 24 para 25 de abril de 1974. A ação passa-se na redação de um jornal em Lisboa e o autor avisa: "Qualquer semelhança com personagens da vida real e seus ditos e feitos é pura coincidência. Evidentemente."»
Diário de Notícias, 9 de outubro de 1998

1975 Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos não têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles.

1975. Lisboa. Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna­-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe.

«De facto, não há muito tempo existiu no Reino do Mexilhão um imperador que na ânsia de purificar as palavras acabou por ficar entrevado com a paralisia da mentira. Ainda lá está, dizem. E não é homem nem estátua porque a ele, sim, roubaram-lhe a morte. Não faz parte deste nosso mundo nem daquele para onde costumam ir os cadáveres, embora cheire terrivelmente. Quando muito é isso, um cheiro. Um fio de peste a alastrar por todas as vilas do império.»

"Dinossauro Excelentíssimo", é uma fábula satírica de José Cardoso Pires que retrata a vida de Salazar, a sua ditadura e o Portugal do Estado Novo num tom bastante irónico e amargurado. Carlos Reis designa a fábula de "relato violentamente satírico sobre a figura de Salazar" (verbete José Cardoso Pires, in Biblos, vol. 2, 213).


Fernando Pessoa vivia em Lisboa, animado pela centena de heterónimos que moravam dentro do seu espírito. Salazar estava no seu sossego monástico, em Coimbra. Até que, em 1926, alguns generais chamaram Salazar a Lisboa. Para ser ministro, primeiro, para mandar em Portugal, depois. Pessoa e Salazar, nunca se encontrando, partilharam então, a agitada vida do país, até 1935, ano da morte de Pessoa.
O que pensava Pessoa de Salazar? Amava-o ou odiava-o? Pessoa foi alguma vez salazarista ou fascista? Este livro dá a palavra a Fernando Pessoa. Leia tudo o que Pessoa disse de Salazar. E disse e escreveu muito: por vezes, textos a ferver. Tanto que descobriu e nos revela três Salazares.


O que nos diz a história de quase dois mil anos de presença judaica no território que é hoje Portugal?

O judaísmo português é resultado de uma longa história: umas vezes trágica, outras vezes mais serena, mas sempre muito rica.

Como financeiros e médicos, filósofos e exegetas, matemáticos e astrónomos, os judeus contribuíram para o desenvolvimento económico, cultural, científico e filosófico de Portugal.

Mas esse contributo foi tanto maior quanto maior era a liberdade, a tolerância e a interacção social e política entre os diferentes povos.

A vida dos judeus portugueses é, por isso, indissociável da história de Portugal. Neste livro, Esther Mucznik, escritora e cronista especializada em temas judaicos, cruza a história dos judeus e a história de Portugal em momentos, episódios e personalidades concretas que demonstram essa relação íntima, uma relação feita de convivência e de perseguição, de amor e de ódio, de desterro e de saudade, de reencontro e de reconciliação… de luz e de sombra.

Uma viagem por dois milénios. Uma história judaica, mas também uma história portuguesa.


Escrito entre 12 de junho de 1942 e 1 de agosto de 1944, O Diário de Anne Frank foi publicado pela primeira vez em 1947, por iniciativa de seu pai, revelando ao mundo o dia a dia de dois longos anos de uma adolescente forçada a esconder-se, juntamente com a sua família e um grupo de outros judeus, durante a ocupação nazi da cidade de Amesterdão.

Todos os que se encontravam naquele pequeno anexo secreto acabaram por ser presos em agosto de 1944, e em março de 1945 Anne Frank morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen, a escassos dois meses do final da guerra na Europa. O seu diário tornar-se-ia um dos livros de não ficção mais lidos em todo o mundo, testemunho incomparável do terror da guerra e do fulgor do Espírito humano.

Baruch Leão Lopes de Laguna, um dos grandes pintores da escola holandesa do século XIX, judeu de origem portuguesa, morreu em 1943 no campo de concentração de Auschwitz. Não foi o único, com ele desapareceram 4 mil judeus de origem portuguesa na Holanda, que acabaram nas câmaras de gás. No memorial do campo de Bergen-Belsen consta o nome de 21 portugueses deportados de Salónica, entre estes Porper Colomar e Richard Lopes que não sobreviveram. Em França, José Brito Mendes arrisca a sua vida, escondendo a pequena Cecile, cujos pais judeus são deportados para os campos da morte. Uma história de coragem e humanismo no meio da atrocidade. Em Viena, a infanta Maria Adelaide de Bragança também não ficou indiferente ao sofrimento, e não hesitou em ajudar a resistência nomeadamente no cuidado dos feridos, no transporte de armas e mantimentos, tendo sido presa pela Gestapo. Esther Mucznik traz-nos um livro absolutamente original, baseado numa investigação profunda e cuidada em que nos conta a história que faltava contar sobre a posição de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial.

Num registo autobiográfico, "o mundo em que viveu" Ilse Losa vai-nos sendo revelado de uma forma tão bela e tão doce que contrasta com a realidade obscura e sombria que qualquer família judia começa a viver no final da Primeira Guerra Mundial na Alemanha.

"Era como se alguém começasse a medir a distância da trovoada, o tem- po entre o relâmpago e o trovão. Cada quilómetro significava um ano. Uma voz conta: um, dois, três, quatro, cinco… Um estrondo medonho faz estremecer a terra, e uma voz cheia de horror exclama: Agora está mesmo por cima de nós!"

A coleção Educação Literária reúne obras de leitura obrigatória e recomendada no Ensino Básico e Ensino Secundário e referenciadas no Plano Nacional de Leitura.