Em
11 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama tinha 24 anos e iniciava o seu
estágio de professor na Escola Veiga Beirão, em Lisboa,
datando desse dia a primeira página do seu "Diário"
.“Janeiro,
11 [de 1949]
[...]
“Não
sou, junto de vós, mais que um camarada um bocadinho mais velho. Sei
coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu
não sei ou já esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras.
Ensinar, não. Falar delas. Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no
comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos."
"Quando
cheguei a Setúbal quis acabar com o que fica bem chamado "o terror da
chamada"; é esse terror que leva a criança a faltar à aula, a inventar
uma desculpa, a tremer perante o professor. Em Setúbal, de princípio
perguntavam: "É para nota?" (E havia medo na voz.) "Não. É para
aprender" Pois sim senhor, para aprender é que é: para eu aprender, para
o aluno aprender; para estarmos mais perto um do outro: para partirmos a
aula ao meio: pataca a mim, pataca a ti."
"Cada
vez me apetece menos classificar os rapazes, dar-lhes notas, pelo que
eles "sabiam". Eu não quero (ou dispenso) que eles metam coisas na
cabeça; não é para isso que eu dou aulas. O saber - diz o povo - não
ocupa lugar; pois muito bem: que eles saibam, mas que o saber não ocupe
lugar, porque o que vale, o que importa (e para isso pode o saber
contribuir e só contribuir) é que eles se desenvolvam, que eles cresçam,
que eles saibam "resolver", que eles possam "perceber".
"Outra
coisa em que eu tomei, a propósito de palavras, foi no eufemismo.
Perceberam. O maroto do Artur, quando eu lembrei que a pessoa a quem
morre um parente muito querido diz de preferência que ele faleceu,
descobriu logo: "Ah! Por isso é que no jornal nunca vem morrimentos, vem
sempre falecimentos"."
"Se eu não risse era um palerma" diz Sebastião da Gama. "Se eu o mandasse para a rua (há quem faça isso, por causa disto, sim senhor.') era uma dúzia de palermas'
"Eu
sou contra a tinta encarnada nos exercícios; notas, emendas ou o que é
que tenha que escrever, costumo fazê-lo a lápis, se o exercício está a
tinta; e a tinta se o exercício está a lápis. A tinta azul, claro está.
Porque a vermelha lembra-me o sangue a escorrer de feridas - e pode
dar-se o mesmo, se não em todos os alunos, ao menos em alguns.
E
o risco? O risco num trabalho que foi feito, por vezes, com esforço,
amor, convicção? Um risco pode equivaler a uma reguada. E na alma, que é
onde dói mais; eles não sabem protestar; talvez nem mesmo intimamente
eles protestem; mas lá no fundo deles qualquer coisa se desequilibra: ou
então acham isso natural - o que é muito pior. MUITO PIOR."
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.
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