Realço o apreciação mais sintética e interessante que encontrei. Aqui fica, com destaques meus:
"Escrito na senda do romance
histórico, mas não propriamente segundo os seus cânones, este romance restringe
o seu objecto ficcional ao sujeito, a partir do mito criado em torno de uma
exótica "dama negra" que se soube impor pela beleza e pelo arrojo no
modo como assumiu o seu mais do que inconveniente casamento. Este viria a entreabrir-lhe as portas da aristocracia lisboeta,
e ela soube fazer o resto: com altivez e generosidade, ficando conhecida pela sua faceta profundamente humana
e caridosa, e pelo seu incansável esforço em devolver a liberdade aos negros que a tinham servido como
escravos. O texto desliza, soberbo, pelos anos de juventude, frondoso
como a ilha, apaixonado como a narradora, íntegro como Luís de Almeida,
um fidalgo português arruinado que decide instalar-se em São Tomé para tentar a
sorte. Com a contratação de um especialista no fabrico do açúcar, trazido
directamente da Madeira, o português terá marcado o seu próprio tempo na
História. Subterrâneo ao discurso, a influência de Simoa, que desde muito nova
se apercebera das diferenças entre brancos e pretos. A contribuição de Luís de
Almeida complementaria ainda a forma de trabalhar nas suas fazendas, com a introdução de outras
ideias de cariz mais
humanitário em relação aos escravos. De resto, o que dizer do livro sem
o revelar em excesso? Escrito num registo memorialista - cujo subtítulo anuncia
- a vida de Simoa Godinho
é-nos transmitida pela própria. É uma lição de partilha que se lê
pressentindo o privilégio, vindo de quem apenas aparentemente herdara a pior
parte do mundo, constituído particularmente pelos da sua cor de pele. A sua
existência no seio de uma família rica de fazendeiros é já um primeiro exemplo
de miscigenação alargada, com séculos de antecedência. Neste caso, foi o avô branco, chegado aos oito anos à ilha num
barco com centenas de outras crianças de origem judia, a casar com a avó preta,
descendente dos reis do Benim. Simoa convive desde sempre com dois modos
antagónicos de pensar e de viver, de entender as coisas e as paixões. Já casada com Luis de Almeida,
abandona a ilha dos escravos para viver na capital do reino, adquirindo
um terceiro modo de coexistência que não afecta a sua capacidade de adaptação.
Todo o livro avança no sentido da ruptura com preconceitos e da conquista
de uma sociedade fechada e hostil, superando o primado da aparência,
essência da época. A força do desejo e da determinação é, em Simoa, pelo menos
tão forte como a sua sobranceria em relação ao constrangimento e à
reprovação por parte da sociedade. A herança genética africana garante à
protagonista o pulsar de um sangue que liberta os sentidos, a sintonia com a
natureza, os seus ciclos e a sua imprevisibilidade."
Luisa Mellid-Franco (jornalista), Ed. Presença, disponível em 4 de janeiro em http://www.presenca.pt/editorial/a-dama-negra-da-ilha-dos-escravos-1286908936bc_oid=112285&UDSID=§§§§001301062029330001310551303§§§§
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