Prospeção
Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Miguel Torga
“Prospeção” - Miguel Torga
Neste poema, o poeta revela-nos a
jornada para se encontrar, mostrando que tal tarefa não é facilmente
exequível. O poema divide-se na exposição das intenções do sujeito
poético e na pormenorização dessa mesma tarefa, por analogia com a propeção mineira.
Miguel Torga | pseudónimo para Adolfo Correia da Rocha, nasce em 1907 em S. Martinho de
Anta no distrito de Vila Real. Adolfo escolheu o seu pseudónimo Miguel
por ser o nome de um arcanjo e Torga pela urze que cresce na montanha.
Estudou medicina em Coimbra e concluiu o curso em 1933, tendo iniciado a
sua obra literária ao ter entrado na universidade com as obras
Ansiedade e Rampa. Foi candidato ao prémio Nobel da literatura em 1965
onde perdeu para o romancista russo Mikhail Sholokhov. Falece em 1995.
As Palavras Interditas
Os navios existem, e existe o teu rostoencostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.
Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.
Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
“As Palavras Interditas” – Eugénio de Andrade
Neste poema, Eugénio de Andrade refere que o mundo é um local triste onde reinam as sombras, por culpa da guerra causada pelo Homem, o poeta sugere também um amor não correspondido, todavia com esperança de que a luz volte e elimine toda a treva.
Eugénio de Andrade | Nasceu a 19 de janeiro de 1923
com o nome de José Fontinhas. Cumpriu o serviço militar convivendo com
Miguel Torga. Exerceu as funções de Inspetor Administrativo do
Ministério da Saúde durante 35 anos. Foi condecorado com diversos
prémios tal como o prémio da Associação Internacional de Críticos
literários. Morre a 13 de junho de 2005 com uma doença neurológica.
Teoria da Presença de Deus
Somos seres olhadosQuando os nossos braços ensaiarem um gesto
fora do dia-a-dia ou não seguirem
a marca deixada pelas rodas dos carros
ao longo da vereda marginada de choupos
na manhã inocente ou na complexa tarde
repetiremos para nós próprios
que somos seres olhados
E haverá nos gestos que nos representam
a unidade de uma nota de violoncelo
E onde quer que estejamos será sempre um terraço
a meia altura
com os ao longe por muito tempo estudados
perfis do monte mário ou de qualquer outro monte
o melhor sítio para saber qualquer coisa da vida
Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"
“Teoria da Presença de Deus”- Ruy Belo
Ruy
Belo aponta para a existência de uma entidade divina, que observa e
guia o Homem. Tal como n’Os Lusíadas, a deusa romana do amor, Vénus,
protege as embarcações lusitanas na sua jornada, ainda assim
deixando-lhes traçar o seu próprio caminho e mostrando que a ideia de
sermos “seres olhados” não anula o livre arbítrio.
Ruy Belo |Nasceu a 27 de
fevereiro de 1933 em Rio Maior. Estudou Direito em Coimbra e
doutorou-se em Direito Canónico em Roma. Teve uma breve carreira
política durante a qual exerceu o cargo de diretor adjunto do Ministério
da Educação. Foi condecorado com o grau de grande Oficial da Ordem
Militar de Santiago da Espada. Morre aos 45 anos em Queluz.
Diogo e Leonardo
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1 comentário:
D. e L.
Continuo a achar que tinham dito e registado em aula bastante mais que aquilo que enviaram - que é muito pouco.
Ser sintético é distinto de ser lacunar.
Mas, enfim, vale pelo poema.
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