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07 maio 2018

Poetas Contemporâneos (cont.)


Prospeção

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
                                                                     Miguel Torga
“Prospeção” - Miguel Torga
Neste poema, o poeta revela-nos a jornada para se encontrar, mostrando que tal tarefa não é facilmente exequível. O poema divide-se na exposição das intenções do sujeito poético e na pormenorização dessa mesma tarefa, por analogia com a propeção mineira. 

Miguel Torga | pseudónimo para Adolfo Correia da Rocha, nasce em 1907 em S. Martinho de Anta no distrito de Vila Real. Adolfo escolheu o seu pseudónimo Miguel por ser o nome de um arcanjo e Torga pela urze que cresce na montanha. Estudou medicina em Coimbra e concluiu o curso em 1933, tendo iniciado a sua obra literária ao ter entrado na universidade com as obras Ansiedade e Rampa. Foi candidato ao prémio Nobel da literatura em 1965 onde perdeu para o romancista russo Mikhail Sholokhov. Falece em 1995. 

As Palavras Interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela

as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

                                                       Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”


“As Palavras Interditas” – Eugénio de Andrade
Neste poema, Eugénio de Andrade refere que o mundo é um local triste onde reinam as sombras, por culpa da guerra causada pelo Homem, o poeta sugere também um amor não correspondido, todavia com esperança de que a luz volte e elimine toda a treva.

Eugénio de Andrade | Nasceu a 19 de janeiro de 1923 com o nome de José Fontinhas. Cumpriu o serviço militar convivendo com Miguel Torga. Exerceu as funções de Inspetor Administrativo do Ministério da Saúde durante 35 anos. Foi condecorado com diversos prémios tal como o prémio da Associação Internacional de Críticos literários. Morre a 13 de junho de 2005 com uma doença neurológica.

Teoria da Presença de Deus

Somos seres olhados
Quando os nossos braços ensaiarem um gesto
fora do dia-a-dia ou não seguirem
a marca deixada pelas rodas dos carros
ao longo da vereda marginada de choupos
na manhã inocente ou na complexa tarde
repetiremos para nós próprios
que somos seres olhados

E haverá nos gestos que nos representam
a unidade de uma nota de violoncelo
E onde quer que estejamos será sempre um terraço
                                                                a meia altura
com os ao longe por muito tempo estudados
perfis do monte mário ou de qualquer outro monte
o melhor sítio para saber qualquer coisa da vida

                                                               Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

“Teoria da Presença de Deus”- Ruy Belo
Ruy Belo aponta para a existência de uma entidade divina, que observa e guia o Homem. Tal como n’Os Lusíadas, a deusa romana do amor, Vénus, protege as embarcações lusitanas na sua jornada, ainda assim deixando-lhes traçar o seu próprio caminho e mostrando que a ideia de sermos “seres olhados” não anula o livre arbítrio.

Ruy Belo |Nasceu a 27 de fevereiro de 1933 em Rio Maior. Estudou Direito em Coimbra e doutorou-se em Direito Canónico em Roma. Teve uma breve carreira política durante a qual exerceu o cargo de diretor adjunto do Ministério da Educação. Foi condecorado com o grau de grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada. Morre aos 45 anos em Queluz. 

Diogo e Leonardo

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1 comentário:

Noémia Santos disse...

D. e L.

Continuo a achar que tinham dito e registado em aula bastante mais que aquilo que enviaram - que é muito pouco.
Ser sintético é distinto de ser lacunar.

Mas, enfim, vale pelo poema.