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07 maio 2018

Poetas Contemporâneos (cont.)


“Sísifo” – Miguel Torga

Miguel Torga (1907-1995), Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu em São Martinho de Anta, em Trás-os-Montes. Aos 10 anos de idade foi para o Porto trabalhar na casa de familiares. Em 1920, foi trabalhar para o seu tio no Brasil. Regressou a Portugal em 1925 na companhia do tio que se ofereceu para pagar os seus estudos em Coimbra. Em 1928 inicia a sua vida literária e publica o seu primeiro livro de poemas Ansiedade. Miguel Torga teve os seus livros traduzidos para várias línguas. Foi diversas vezes candidato ao prémio Nobel da Literatura, mas nunca o ganhou no entanto ganhou outros grandes prémios.
 
O poema "Sísifo", constituído por duas estrofes, cada uma com dez versos, retrata a pertinência, a insistência, a ambição e a força de vontade dos seres humanos recorrendo ao mito grego Sísifo que deu nome ao poema.
O mito conta a história de um homem, Sísifo, que desafiou os deuses por se achar mais esperto e habilidoso, acabando por ser castigado pelos mesmos. O seu castigo consistia em empurrar uma pedra pesada até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que este atingia o topo tendo assim de executar esta tarefa eternamente.
Na primeira estrofe o poeta incentiva-nos a não desistir e a ser ambiciosos - “De nenhum fruto queiras só metade.” A segunda estrofe sugere que não deixemos de satisfazer as nossas vontades mesmo que essas sejam meras ilusões –“Vai colhendo/Ilusões sucessivas no pomar.”
Sísifo representa, as diversas situações da nossa vida, quando estamos prestes a cumprir um objetivo mas algo nos obriga a começar de novo. Sísifo é então o símbolo do recomeço.
Miguel Torga pensa e escreve sobre a natureza humana, como por exemplo na maneira de agir, de pensar e de como encarar determinados problemas.
Podemos encontrar alguns recursos expressivos ao longo da segunda estrofe tais como a metáfora presente no segundo e terceiro verso, a antítese que se encontra nos versos quatro e seis e o oxímero nos dois últimos versos.

“Poema à mãe” – Eugénio de Andrade
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.
                                                                    Eugénio de Andrade, in Os Amantes Sem Dinheiro

Eugénio de Andrade (1923-2005), Pseudónimo de José Fontinhas Neto, nasceu em Póvoa de Atalaia, pequena aldeia da Beira Baixa. Filho de camponeses, passou a sua infância com a mãe após os pais se terem separado. Com 7 anos de idade muda-se com a mãe para Castelo Branco. Muda-se para lisboa em 1932 e começou a escrever os seus primeiros poemas em 1936. Em 1939 publicou o seu primeiro poema “Narciso”. Em 1948 publicou o livro As mãos e os Frutos, que recebeu elogios de críticos literários. Eugénio de Andrade publicou mais de vinte livros de poesia. O poeta levava uma vida reservada, vivia distante da vida social e pouco aparecia em público.

OPoema à mãe”, de Eugénio de Andrade, aborda o amor entre mãe e filho, Este retratando a necessidade do filho de se distanciar da sua mãe protetora para viver a sua vida com autonomia tal como todo o ser humano que chegando a uma certa idade tem de voar das suas próprias asas “Boa noite. Eu vou com as aves”. Neste verso o poeta usa um eufemismo, pois com esta expressão diz que ele vai crescer e que se vai distanciar. No verso “o retrato adormecido/no fundo dos teus olhos” é utilizada uma personificação em que o poeta mostra que já não é o menino das fotografias tal como no verso “eu saí da moldura” que quer dizer que cresceu, sendo utilizado neste uma perífrase. Existe também uma antítese no verso “e noites rumorosas de águas matinais”. 
Este poema é constituído por 13 estrofes, não tendo todas o mesmo número de versos mas apesar disso predominam os tercetos. Neste poema não existe rimas sendo então uma composição poética de versos soltos e o número de sílabas métricas não é o mesmo ao longo dos versos. O poeta usa neste poema um discurso justificativo na medida em que pretende mostrar à mãe que não a vai abandonar. Eugénio de Andrade utiliza uma linguagem meiga e de fácil compreensão, apesar das várias figuras de estilo utilizadas para exprimir os seus sentimentos.


“Testamento” – Ana Luísa Amaral
          Flying Girl Through the Trees or Red Knows the Way by rowenamurillo
Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrado
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.       

Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa em 1956 e vive desde os 9 anos em Leça da Palmeira. É professora associada na Faculdade de Letras do Porto, onde integra a direção do instituto de Literatura Comparada Margarida Losa. Tem um doutoramento sobre a poesia de Emily Dickinson e publicações académicas (em Portugal e no estrangeiro) nas áreas de Literatura Inglesa, Literatura Norte-Americana, Literatura Comparada e Estudos feministas. Ana Luísa Amaral já recebeu diversas distinções entre elas, o Prémio Literário Casino da Póvoa/Correntes d’Escritas, com o livro A génese do Amor

O poema “Testamento” de Ana Luísa Amaral retrata o carinho e o apego de uma mãe em reação à sua filha revelando aquilo que para a escritora realmente é importante transmitir à filha: tal como o amor, a fantasia e a liberdade de sonhar. Recorrendo a um vocabulário mais moderno e próximo do quotidiano – “calmantes”, “cama bem-feita”, “descascar batatas”, átomo” – é possível enquadrar a autora num estilo contemporâneo que aborda um tema comum ao leitor. Este poema é constituído por 5 estrofes contendo cada uma, um número variável de versos, mostrando assim a versatilidade estrutural que a autora adota. Neste “Testamento” é transmitido o espirito maternal comum em que a vida de um filho assume o papel prioritário na vida de uma mãe mesmo que esta tenha a sua própria vida em perigo “Preparem a minha filha para a vida/se eu morrer de avião”.

Lara e Samuel, 12ºB

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