Gonçalo M. Tavares
Por Maria João Cantinho
Gonçalo M. Tavares nasceu em 1970. Foi bolseiro do Ministério da Cultura – IPLB com uma bolsa de Criação Literária para o ano 2000, na área da poesia. Em Dezembro de 2001 publicou a sua primeira obra : Livro da dança, na Assírio e Alvim. Recebeu o Prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do Jornal Expresso com a obra O Senhor Valéry (editorial Caminho, 2002) e o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Investigações. Novalis (Difel). Publicou, ainda O Homem ou é tonto ou é mulher e A Colher de Samuel Beckett e outros textos. Em 2003 surge O Senhor Henri e Um Homem: Klaus Klump, sob a chancela da editora Caminho.
Em Um Homem: Klaus Klump, o primeiro de uma série de “livros pretos”, o autor narra, de uma forma expurgada e quase abstracta, a situação de uma série de personagens num contexto germânico de guerra. Trata-se de uma obra violenta, onde os vários acontecimentos se vão entretecendo com máximas e aforismos, culminando uma reflexão desencantada sobre os princípios e leis da natureza humana e animal.
Traduzido e incluído em várias antologias estrangeiras de poesia, Gonçalo M. Tavares tem vindo a revelar-se como um dos talentos mais fecundos e sólidos, na actual literatura portuguesa.
Por Maria João Cantinho
Gonçalo M. Tavares nasceu em 1970. Foi bolseiro do Ministério da Cultura – IPLB com uma bolsa de Criação Literária para o ano 2000, na área da poesia. Em Dezembro de 2001 publicou a sua primeira obra : Livro da dança, na Assírio e Alvim. Recebeu o Prémio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do Jornal Expresso com a obra O Senhor Valéry (editorial Caminho, 2002) e o Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, com Investigações. Novalis (Difel). Publicou, ainda O Homem ou é tonto ou é mulher e A Colher de Samuel Beckett e outros textos. Em 2003 surge O Senhor Henri e Um Homem: Klaus Klump, sob a chancela da editora Caminho.
Em Um Homem: Klaus Klump, o primeiro de uma série de “livros pretos”, o autor narra, de uma forma expurgada e quase abstracta, a situação de uma série de personagens num contexto germânico de guerra. Trata-se de uma obra violenta, onde os vários acontecimentos se vão entretecendo com máximas e aforismos, culminando uma reflexão desencantada sobre os princípios e leis da natureza humana e animal.
Traduzido e incluído em várias antologias estrangeiras de poesia, Gonçalo M. Tavares tem vindo a revelar-se como um dos talentos mais fecundos e sólidos, na actual literatura portuguesa.
Nota: Em colaboração com a revista OS MEUS LIVROS, Lisboa, Portugal. Leia, também, a recensão de " Um homem: Kaus Klump" na secção de LIVROS
Maria João Cantinho– Este é o primeiro de uma série de “livros pretos”. Porquê? Será uma nova fase da sua obra?
Gonçalo M.Tavares - Os livros pretos designam o início de uma espécie de seriedade desencantada que aparece já no livro “Um homem: Klaus Klump”. Como alguns dos livros anteriores passavam por um certo pendor lúdico pareceu-me relevante assinalar – também na cor – esta diferença. Julgo que entre as várias funções de um escritor estão o encantar e o desencantar. O encantar tem a ver com a construção de determinados mundos fechados, distantes da realidade, que façam com que o leitor se sinta num outro estado, sem ser incomodado, tendo a possibilidade de, no limite, ser feliz. Isto parece-me bom. Mas há o outro lado. O desencantar é uma das outras funções do escritor, e associo essa função a este romance. Desencantar significa, seguindo a própria origem da palavra, interromper a canção, deixar de cantar a canção que vinha de trás; desencantar é impor uma outra música ou impor mesmo o silêncio, que é um elemento brutal. Se instalarmos durante trinta segundos o silêncio na televisão, por exemplo, veremos o poder que tem o facto de nada acontecer durante um determinado tempo, no sítio, como a televisão, que foi feito para dar a ilusão de que os acontecimentos são intermináveis. Uma outra música ou o silêncio obrigam a uma espécie de atenção do olhar sobre o que existe e é desagradável. Estes livros pretos são o início de uma linha mais séria, não irónica, que tenta interferir, não apenas na linguagem ou na literatura, mas se possível na vida das pessoas.
Mas não é uma ruptura com o meu percurso. Cada pessoa é muitas coisas. Todas as pessoas são uma associação interminável de jogo e seriedade, humor e irritação, emoção amorosa e instinto de luta. Eu sou isto e aquilo e aquilo e ainda aquilo. É natural portanto que o que eu escrevo seja isto e aquilo e aquilo e ainda muitas outras coisas.
M.J.C. – Este livro apresenta uma visão pessimista e niilista da vida humana. Não concorda?
G. M. T. - A vida humana é extraordinariamente feliz e infeliz. Os homens são extraordinariamente bons e maus. Não sou pessimista: não vejo o Homem como uma bola orgânica má, apenas. Mas julgo que é um optimismo pouco lúcido, e até perigoso, considerar que os humanos são uma espécie de bonzinhos intermináveis. Foi o facto de os homens não estarem atentos à maldade dos outros e de si próprios que fez com que ocorressem uma série de tragédias no século em que a cultura atingiu o seu auge. Um carrasco pode citar Heraclito ou Shakespeare enquanto tortura, e isto, para quem gosta de literatura e de ideias é absolutamente terrível. Mas o que me parece importante é que a literatura, a poesia e as artes nunca esqueçam a maldade potencial de todos os homens. A função de desencantar, em que o romance “Um homem: Klaus Klump” se insere, é uma espécie de agulha que incomoda constantemente, uma espécie de chamada de atenção, como quem diz: “Não te esqueças da tua maldade, ela anda por aí, algures, não te esqueças dela, localiza-a bem para a controlares, para evitares que ela venha à superfície.” Temos de estar atentos: à maldade dos outros e também à nossa. E isto não é ser niilista nem é transformar-se num pessimista entediado com tudo, é apenas ligar a lucidez como se liga o botão da electricidade. O nosso olhar tem de estar atento, apenas isso.
M.J.C.– Há um olhar ético, um compromisso ético com o mundo? Acha que isso é importante, na literatura?
G.M.T. – Claro que sim. A vida e a literatura. Temos de estar atentos ao mundo. Mas o mundo começa em nós e vai por aí fora até perder de vista. Há crápulas individuais que são muito bonzinhos para o mundo longínquo, o que não me parece lá muito equilibrado. Como é evidente há mil e uma formas de fazer livros e não é necessário estarmos sempre a apontar a tragédia humana e a maldade no mundo. Este livro “Um homem: Klaus Klump” passa por essa atenção, mas há outros livros que não. Acho que os escritores têm a obrigação ética de estar atentos (todas as pessoas, aliás) mas também têm direito ao jogo, ao divertimento, e ao trabalho sobre a linguagem. Se estivermos sempre a olhar para a luz ficamos ceguinhos, e se estivermos sempre a olhar para o escuro, perdemo-nos. Há que alternar a inclinação do olhar, olhar sempre com a mesma intensidade para o mesmo objecto além de ser entediante, faz mal as pupilas, parece-me. O Fernando Pessoa, aliás, queixava-se de dores na cabeça e no universo, e tais dores parecem-me um excelente programa literário. Alternar o combate às dores de cabeça particulares com o combate às dores de cabeça do universo, parece-me um excelente projecto de vida. Em síntese: amar e protestar.
M.J.C. – Ao ler o seu romance sente-se como se a morte estivesse sempre à espreita e fosse uma imagem pairante e alegórica que se constitui como o núcleo do livro - sobretudo na figura do cavalo morto que se mantém na rua e se vai decompondo, ao longo do romance. Concorda?
G.M.T. – A morte continua a ser inacreditável. É uma espécie de milagre mau, milagre invertido ou milagre do avesso, que infelizmente insiste em repetir-se geração após geração. Mas é sempre uma surpresa, apesar deste elemento estatístico que nos dá a ilusão de normalidade; porém morrer não é normal, não pode ser! Quando aceitarmos que a morte pertence ao quotidiano é porque já deixámos cair do bolso da alma qualquer coisa de fundamental; uma espécie de indignação existencial, talvez. A morte vem aí, mas eu protesto, todos protestamos. Não nos indignamos por ter nascido, mas indignamo-nos por morrer. De facto, não é digno, não é honrado, dar e tirar. Sentimo-nos dentro de uma fraude. Como que enganados no negócio de existir.
Quanto à decomposição da carne dos animais julgo que ela deveria ser mais visível e explícita no meio das cidades. Em frente a grandes edifícios, de vez em quando, o Ministério da Lucidez, se tal existisse, deveria colocar um animal em decomposição e não permitir que ninguém o retirasse dali durante um tempo. Era uma espécie de sinal preto, como o que existe nos maços de cigarro: atenção, atenção, não te esqueças!
No romance “Um homem: Klaus Klump” o cavalo termina mais manso que as moscas, e isto não é uma ficção: são coisas que acontecem muito no mundo.
M.J.C. – Aimagem que, de resto, se apresenta explicitamente no livro, é a da permanente dança da vida com a morte, a eterna dialéctica, portanto…
Maria João Cantinho– Este é o primeiro de uma série de “livros pretos”. Porquê? Será uma nova fase da sua obra?
Gonçalo M.Tavares - Os livros pretos designam o início de uma espécie de seriedade desencantada que aparece já no livro “Um homem: Klaus Klump”. Como alguns dos livros anteriores passavam por um certo pendor lúdico pareceu-me relevante assinalar – também na cor – esta diferença. Julgo que entre as várias funções de um escritor estão o encantar e o desencantar. O encantar tem a ver com a construção de determinados mundos fechados, distantes da realidade, que façam com que o leitor se sinta num outro estado, sem ser incomodado, tendo a possibilidade de, no limite, ser feliz. Isto parece-me bom. Mas há o outro lado. O desencantar é uma das outras funções do escritor, e associo essa função a este romance. Desencantar significa, seguindo a própria origem da palavra, interromper a canção, deixar de cantar a canção que vinha de trás; desencantar é impor uma outra música ou impor mesmo o silêncio, que é um elemento brutal. Se instalarmos durante trinta segundos o silêncio na televisão, por exemplo, veremos o poder que tem o facto de nada acontecer durante um determinado tempo, no sítio, como a televisão, que foi feito para dar a ilusão de que os acontecimentos são intermináveis. Uma outra música ou o silêncio obrigam a uma espécie de atenção do olhar sobre o que existe e é desagradável. Estes livros pretos são o início de uma linha mais séria, não irónica, que tenta interferir, não apenas na linguagem ou na literatura, mas se possível na vida das pessoas.
Mas não é uma ruptura com o meu percurso. Cada pessoa é muitas coisas. Todas as pessoas são uma associação interminável de jogo e seriedade, humor e irritação, emoção amorosa e instinto de luta. Eu sou isto e aquilo e aquilo e ainda aquilo. É natural portanto que o que eu escrevo seja isto e aquilo e aquilo e ainda muitas outras coisas.
M.J.C. – Este livro apresenta uma visão pessimista e niilista da vida humana. Não concorda?
G. M. T. - A vida humana é extraordinariamente feliz e infeliz. Os homens são extraordinariamente bons e maus. Não sou pessimista: não vejo o Homem como uma bola orgânica má, apenas. Mas julgo que é um optimismo pouco lúcido, e até perigoso, considerar que os humanos são uma espécie de bonzinhos intermináveis. Foi o facto de os homens não estarem atentos à maldade dos outros e de si próprios que fez com que ocorressem uma série de tragédias no século em que a cultura atingiu o seu auge. Um carrasco pode citar Heraclito ou Shakespeare enquanto tortura, e isto, para quem gosta de literatura e de ideias é absolutamente terrível. Mas o que me parece importante é que a literatura, a poesia e as artes nunca esqueçam a maldade potencial de todos os homens. A função de desencantar, em que o romance “Um homem: Klaus Klump” se insere, é uma espécie de agulha que incomoda constantemente, uma espécie de chamada de atenção, como quem diz: “Não te esqueças da tua maldade, ela anda por aí, algures, não te esqueças dela, localiza-a bem para a controlares, para evitares que ela venha à superfície.” Temos de estar atentos: à maldade dos outros e também à nossa. E isto não é ser niilista nem é transformar-se num pessimista entediado com tudo, é apenas ligar a lucidez como se liga o botão da electricidade. O nosso olhar tem de estar atento, apenas isso.
M.J.C.– Há um olhar ético, um compromisso ético com o mundo? Acha que isso é importante, na literatura?
G.M.T. – Claro que sim. A vida e a literatura. Temos de estar atentos ao mundo. Mas o mundo começa em nós e vai por aí fora até perder de vista. Há crápulas individuais que são muito bonzinhos para o mundo longínquo, o que não me parece lá muito equilibrado. Como é evidente há mil e uma formas de fazer livros e não é necessário estarmos sempre a apontar a tragédia humana e a maldade no mundo. Este livro “Um homem: Klaus Klump” passa por essa atenção, mas há outros livros que não. Acho que os escritores têm a obrigação ética de estar atentos (todas as pessoas, aliás) mas também têm direito ao jogo, ao divertimento, e ao trabalho sobre a linguagem. Se estivermos sempre a olhar para a luz ficamos ceguinhos, e se estivermos sempre a olhar para o escuro, perdemo-nos. Há que alternar a inclinação do olhar, olhar sempre com a mesma intensidade para o mesmo objecto além de ser entediante, faz mal as pupilas, parece-me. O Fernando Pessoa, aliás, queixava-se de dores na cabeça e no universo, e tais dores parecem-me um excelente programa literário. Alternar o combate às dores de cabeça particulares com o combate às dores de cabeça do universo, parece-me um excelente projecto de vida. Em síntese: amar e protestar.
M.J.C. – Ao ler o seu romance sente-se como se a morte estivesse sempre à espreita e fosse uma imagem pairante e alegórica que se constitui como o núcleo do livro - sobretudo na figura do cavalo morto que se mantém na rua e se vai decompondo, ao longo do romance. Concorda?
G.M.T. – A morte continua a ser inacreditável. É uma espécie de milagre mau, milagre invertido ou milagre do avesso, que infelizmente insiste em repetir-se geração após geração. Mas é sempre uma surpresa, apesar deste elemento estatístico que nos dá a ilusão de normalidade; porém morrer não é normal, não pode ser! Quando aceitarmos que a morte pertence ao quotidiano é porque já deixámos cair do bolso da alma qualquer coisa de fundamental; uma espécie de indignação existencial, talvez. A morte vem aí, mas eu protesto, todos protestamos. Não nos indignamos por ter nascido, mas indignamo-nos por morrer. De facto, não é digno, não é honrado, dar e tirar. Sentimo-nos dentro de uma fraude. Como que enganados no negócio de existir.
Quanto à decomposição da carne dos animais julgo que ela deveria ser mais visível e explícita no meio das cidades. Em frente a grandes edifícios, de vez em quando, o Ministério da Lucidez, se tal existisse, deveria colocar um animal em decomposição e não permitir que ninguém o retirasse dali durante um tempo. Era uma espécie de sinal preto, como o que existe nos maços de cigarro: atenção, atenção, não te esqueças!
No romance “Um homem: Klaus Klump” o cavalo termina mais manso que as moscas, e isto não é uma ficção: são coisas que acontecem muito no mundo.
M.J.C. – Aimagem que, de resto, se apresenta explicitamente no livro, é a da permanente dança da vida com a morte, a eterna dialéctica, portanto…
(...)
M.J.C. – Apesar da morte e do apodrecimento do cavalo, da exposição constante desse animal mutilado, há a possibilidade, ainda, de olhar “as cores impressionantes” do poente, por detrás do seu cadáver. Como se a morte fosse assimilada pela vida e pela sua beleza. Dissolvida no triunfo da vida, não acha?
G.M.T. – Parece-me que uma característica deste livro é a velocidade: e a velocidade assimila tudo, a velocidade é como se fosse um grande estômago, a grande velocidade tudo se mistura e ao mesmo tempo nada parece acontecer. E no meio da velocidade dos humanos, parece-me que a natureza é a preguiça por excelência. Está lá. Fechamos os olhos, continua lá, abrimos os olhos, e lá está ela. Sempre no mesmo sítio, com o mesmo tipo de comportamentos. Digamos que não progride. Em relação à Natureza o fim da História parece que chegou há muito, e as ameaças de alguns cientistas de que o sol vai desaparecer daqui a biliões de anos ainda não assustam ninguém. Antes disso ainda há muitos fins de semana prolongados (risos). E a natureza mantém a mesma estupidez ou a mesma inteligência de sempre, e não é má nem boa. Não podemos, por exemplo, acusar o pôr do sol de nada. Não faz sentido dizer: quando estamos tristes a natureza deveria evitar ser bela! Ela continua. Neste livro há uma personagem que ameaça disparar contra a natureza, e outra que diz que provavelmente o tiro não acertará. Talvez esta segunda personagem tenha razão.
M.J.C. – A loucura é um tema recorrente neste livro, num cenário de barbárie que é o da guerra: “Klaus tinha os lábios pretos, como se falasse outra língua. Tinha perdido a pátria e com ela cada palavra antiga tinha-se tornado escandalosa. São palavras pretas. Queimavam os lábios.” Parece-lhe que esta loucura (e a mudez que a ela se associa) corresponde à incapacidade de manter a lucidez face ao horror da guerra, a uma incapacidade de comunicar que, muitas vezes, se traduz no absurdo e na brutalidade dos gestos?
G.M.T. – Não sei responder a essa pergunta. Não sei se se consegue manter a lucidez dentro de momentos limite. Acho é que a lucidez se treina, e que a lucidez pode ser quase vista como uma técnica, que se aprende, desenvolve. Não é como uma aparição ou um milagre. Uma pessoa não fica lúcida porque lhe cai um pó de lucidez na cabeça. E o que me parece é que só podemos treinar e desenvolver a lucidez em tempos tranquilos, afastados portanto da guerra ou das grandes tragédias. Porque nestas situações limite temos de agir com urgência. Agir. Todos nós temos então de agradecer não sermos obrigados a agir constantemente em situações limite. E uma forma de agradecer é aproveitarmos bem esse tempo. Treinar a musculação da lucidez é uma boa hipótese para aproveitar o tempo, parece-me.
M.J.C. – O tom expurgado e quase notarial em que o livro é escrito apresenta-nos um quadro de personagens que, na maioria dos casos, aparecem “despidos de humanidade”, mesmo no caso das personagens femininas, à excepção de Johana. Parece-lhe ser a humanidade um luxo reservado às sociedades que vivem em paz?
G.M.T. - Não, mas a expressão “despidos de humanidade” é interessante. Olhando um pouco para ela vemos que pressupõe que a humanidade é como uma camisola de lã: pode ser despida. Isto é: que a humanidade não pertence ao essencial do homem. É separável; a humanidade é uma invenção da linguagem do homem e não uma invenção dos actos do homem. Isso para já parece-me muito evidente. Os dias dos animais estão cheios de actos humanos. E os dias dos homens estão cheios de actos animalescos. Os animais são muito “humanos”. Vi há uns tempos um vídeo do artista João Onofre que me impressionou: onde um abutre passeava pelo atelier dele. O abutre pode ter uma série de comportamentos humanos. Até desconfiamos, ao ver esse vídeo, de que esse animal repelente por vezes tem interesses estéticos, parece ter até vontade de consultar álbuns de arte (risos). Portanto não sei se há assim de imediato uma grande separação entre os vários reinos da natureza. A ideia de que o Homem é mais moral do que um animal, uma planta ou uma pedra parece-me precipitada. E além do mais vinda dos próprios homens torna-se suspeita. É parte interessada. Em suma: o Homem pode pôr, perfeitamente, a alma e o chapéu no bengaleiro. E assim entrar numa sala mais livre, e aqui mais livre pode significar: mais disponível para a bondade ou então: mais disponível para a maldade.
(disponível em
http://www.storm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=204&sec=&secn=
acedido em 12/04/2013)
1 comentário:
Esta entrevista visa o apoio às alunas que vão à PROVA DO CONCURSO NACIONAL DE LEITURA.
Mas também é uma ótima sugestão de leitura - não para fracotes...
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