Total visualizações

16 outubro 2020

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

À roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?»

E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»

 

«De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?»

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso,

«Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:

«El-Rei D. João Segundo!»

 

Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

«Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo;

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!»

 

9-9-1918

O poema “O Mostrengo” [...]  pertence à parte dois da Mensagem , Mar Português. Este faz parte do Mar Português pois fala sobre o encontro dos portugueses com o Mostrengo, na Mensagem de Fernando Pessoa, ou Adamastor n’ Os Lusíadas, de Luís de Camões, aquando da dobragem do Cabo da Boa Esperança, na época dos descobrimentos.
 

Esta composição poética estrutura-se em três nonas, tem uma rima emparelhada e cruzada, contendo um verso branco no terceiro verso de cada estrofe e, em relação à métrica apresenta versos decassilábicos e versos hexassílabos, octossilábicos e eneassílabos com refrão hexassilábico.
 

Neste poema os portugueses encontram-se com o Mostrengo durante a noite, que juntamente com o mar e até mesmo o próprio Mostrengo representam o mistério e o medo, que aparece voando à roda da nau e lhes pergunta quem são e o que fazem no seu mar. 

À medida que este encontro se vai desenvolvendo, percebemos através de expressões como “Voou três vezes a chiar”, “De quem são as velas onde me roço” e “escorro os medos do mar sem fundo” que o Mostrengo representa as forças da natureza (como o vento e o mar) que servem de obstáculo aos portugueses e à sua missão, missão essa dada por D. João II.

D. João II havia falecido em 1495, mas a viagem da descoberta do caminho para a Índia só começaria em 1497, no reinado de D. Manuel. Com isto percebemos que F. Pessoa quer demonstrar que, mesmo morto, a vontade de D. João II de “querer ir mais além” é levada pelos portugueses e é isso que lhes dá coragem pois no poema o homem do leme, quando questionado pelo Mostrengo sobre “quem é que ousa entrar/Nas minhas cavernas (…) do fim do mundo?” ele diz enquanto treme “El Rei D. João Segundo”. Mais à frente quando questionado uma segunda vez, o homem treme e repete “El Rei D. João Segundo”. 

Através destas repetições e de “Três vezes do leme as mãos ergueu/Três vezes ao leme as reprendeu” conseguimos compreender a superação e a coragem que o povo português demonstrou perante as forças da natureza e o desconhecido.

Rafael R., 11º B

Sem comentários: