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07 maio 2018

Poetas Contemporâneos (cont.)

Definição (Nuno Júdice)
Quem esquece o amor, e o dissipa, saberá
que sentimento corrompe, ou apenas se o coração
se encontra no vazio da memória? O vento
não percorre a tarde com o seu canto alucinado,
que só os loucos pressentem, para que tu
o ignores; nem a sabedoria melancólica das árvores
te oferece uma sombra para que lhe
fujas com um riso ágil de quem crê
na superfície da vida. Esses são alguns limites
que a natureza põe a quem resiste à convicção
da noite. O caminho está aberto, porém,
para quem se decida a reconhecê-los; e os próprios
passos encontram a direcção fácil nos sulcos
que o poema abriu na erva gasta da linguagem. Então,
entra nesse campo; não receies o horizonte
que a tempestade habita, à tarde, nem o vulto inquieto
cujos braços te chamam. Apropria-te do calor
seco dos vestíbulos. Bebe o licor
das conchas residuais do sexo. Assim, os teus lábios
imprimem nos meus uma marca de sangue, manchando
o verso. Ambos cedemos à promiscuidade do poente,
ignorando as nuvens e os astros. O amor
é esse contacto sem espaço,
o quarto fechado das sensações,
a respiração que a terra ouve
pelos ouvidos da treva.
                                                               Nuno Júdice, in "Um Canto na Espessura do Tempo"
 
Nuno Júdice pede que não se ignore nem se fuja do amor porque este está como a sombra, perto mas não para fugirmos dele.
O caminho está sempre livre mas temos que reconhecer que temos limites. Devemos deixar-nos ir pelos caminhos que se abrem naturalmente até ao amor.
O poeta reconhece os seus limites mas sabe que não os deve temer.
O sentimento provocado pelo amor faz com que os versos escritos pelo poeta fiquem marcados (manchados) por esse sentimento.
No final do poema podemos encontrar uma definição que, para Nuno Júdice, é a definição de amor.

Biografia
Nuno Júdice nasceu a 29 de abril de 1949, na Mexilhoeira Grande. Licenciou-se em filosofia românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor do ensino secundário, diretor da revista "Tabacaria" (editada pela Casa Fernando Pessoa) e diretor do Instituto Camões em Paris. Foi também além de poeta, ensaísta e ficcionista.



Inocência (Miguel Torga)

Vou aqui como um anjo, e carregado

De crimes!
Com asas de poeta voa-se no céu...
De tudo me redimes,
Penitência
De ser artista!
Nada sei,
Nada valho,
Nada faço,
E abre-se em mim a força deste abraço
Que abarca o mundo!

Tudo amo, admiro e compreendo.
Sou como um sol fecundo
Que adoça e doira, tendo
Calor apenas.
Puro,
Divino
E humano como os outros meus irmãos,
Caminho nesta ingénua confiança
De criança
Que faz milagres a bater as mãos.

                                                                                       Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório'  
Miguel Torga, mostra o sentimento que dá título a este poema através de várias palavras religiosas como "anjo", "céu" e "milagres".
Ao longo do poema, o poeta vai usando comparações para percebermos essa sua inocência, comparando-se a um anjo "carregado / De crimes!" e a uma criança que é ingénua.
Com a expressão "abraço / Que abarca o mundo!", Miguel Torga mostra que o sentimento de ingenuidade não se aplica só a si mas a todo o mundo.
O uso da anáfora "Nada" também mostra que o poeta acha que nada sabe mas esta figura de estilo é depois contrastada com "Tudo" o que ele ama, admira e compreende.

Biografia
Miguel Torga nasceu a 12 de agosto de 1907, em Vila Real. Miguel Torga era pseudónimo para Adolfo Correia da Rocha. Foi para o Brasil com 13 anos, antes de ir para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Além de poeta foi também contista, dramaturgo e médico.
Morreu a 17 de janeiro de 1995 em Coimbra de cancro.



O Silêncio (Eugénio de Andrade)
 Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

 
O poema retrata o poder do silêncio e o que é possível "dizer" e transmitir sem entoar palavra alguma. O uso de vírgulas contínuas dá a ideia da repetição e tranquilidade criada através do silêncio, à noite, quando «o sono, a mais incerta barca/inda demora».
O poema é marcado pelo uso da personificação: "ternura fatigada", "incerta barca" e "palavras desamparadas e desertas".

Biografia (Eugénio de Andrade)
O poeta nasceu a 19 de janeiro de 1923, no Fundão. Eugénio de Andrade é pseudónimo para José Fontinhas.
Tem uma biblioteca com o seu nome e além de poeta foi escritor e tradutor.
Morreu a 13 de junho de 2005, no Porto devido a uma doença neurológica prolongada.


Márcio Leopoldo, nº 16
Maria Nazaré, nº 17



Créditos
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