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26 abril 2018

Poetas contemporâneos - leituras

Miguel Torga é o pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, o qual nasceu a 12 de agosto de 1907 e faleceu a 17 de janeiro de 1995 aos 87 anos; é considerado um dos escritores mais influentes do século XX, tendo recebido os seguintes prémios: Prémio Morgado de Mateus (1980); Prémio Montaigne (1981); Prémio Camões (1989); Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários (1993) entre outros.
O seu pseudónimo tem origem em 1934 como homenagem aos escritores Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno, daí o nome Miguel, e às suas origens serranas, pois Torga é o nome de uma planta brava. 
Dies Irae

Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
                                                                    Miguel Torga
O poema “Dies Irae” trata a frustração do povo português ao ser oprimido pelo “fantasma” (regime ditatorial) por não poder realizar os seus desejos. Ao longo do poema, o autor retrata a “maldição do tempo em que vivemos” ao evidenciar ações apetecíveis (a forma verbal «Apetece» surge anaforicamente seis vezes) - cantar, chorar, gritar, fugir, morrer, matar - e que, no entanto, são proibidas.
No final do poema é apresentada diretamente a angústia vivida e a crítica do tempo do regime ditatorial, apresentado como estagnado, morto - "Sepultura", "angústias paradas".


Manuel Alegre

Escritor e político com 81 anos, nasceu a 12 de maio de 1936 e é um dos escritores mais importantes da atualidade do nosso país. Ganhou diversos prémios dos quais se destacam o Grande Prémio de Poesia APE/CTT (1998); Prémio Pessoa (1999); Prémio Fernando Namora (1999); Grande Prémio de Literatura dst (2016) e Prémio Camões (2017) .




Coisa Amar

Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.


Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.


Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói


desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.


O poema “Coisa amar” cria uma relação de intertextualidade com a escrita camoniana, sendo uma homenagem a Camões, ao amor e ao mar; através da parecença entre as palavras “mar” e “amar” é são apresentadas “as coisas perigosas” que  estas palavras têm em comum.
O poema conta com alusões/referências diretas e indiretas a Camões tais como: “Contar-te longamente as perigosas coisas do mar” (Os Lusíadas), “Amor ardente. Amor ardente” - (poema "Amor é fogo que arde sem se ver") e a referências à ilhas dos amores- “ilhas misteriosas”.

J. Lopes e Leonardo C.

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