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13 maio 2015

Memorial - renovação formal e marcas de estilo


Em complemento às informações do Manual e das incluídas no PPT de síntese da matéria, reforço a informação.


[A sua escrita é peculiar] Peculiar porquê? Porque é usada de uma forma não canónica (apesar de o autor fazer parte do cânone literário): falta no texto o travessão para identificar o interlocutor no diálogo e o início das falas de cada personagem é assinalado por uma capitular. Também aqui se vê a frase característica da escrita de Saramago, uma frase quase sem pontos finais e cadenciada na pausa das vírgulas.
(...)
Abre o dactiloscrito emendado pelo punho de Saramago, à esquerda.
O Nobel português, na sua obra, inventa factos, mistura o maravilhoso com o empírico, o conhecimento do presente com o reconhecimento ou novas versões do passado, diz, por seu lado, Manuel Gusmão. O modo como "joga ironicamente a ficção contra o relato histórico" e "mostra como uma tradição e história dos pobres, dos explorados, oprimidos e vencidos se pode construir contra a história dos vencedores" também o distingue.

Para a professora catedrática Maria Alzira Seixo, a sua inovação no romance consegue ser ao mesmo tempo "erudita e popular". É erudita porque "tem bases historiográficas sólidas", quer nos livros sobre eventos do passado quer nos romances onde procedeu a investigações pessoais ou onde elabora conjecturas para a compreensão de uma época ou de uma figura. E é popular "pois inventa uma expressão oralizada, que tem a ver com o saber tradicional comunitário (como em Levantado do Chão), criando a sua frase característica, quase sem pontos finais e cadenciada na pausa das vírgulas", explica.

Era como narrador oral que Saramago se via quando escrevia e inovou na maneira como utilizava o ponto final e a vírgula (ele chamava-lhe "os sinais de pausa") dando à frase um outro ritmo dado pela oralidade.

O escritor "usa pontuação, mas reinventa-a de acordo com um outro ritmo prosódico, que é o da oralidade de quem fala a língua", afirma Carlos Reis e redescobre sentidos ocultos nas palavras.

É inovador o tipo de frase que veio a caraterizar o escritor onde se pode "encontrar o narrador a dialogar com uma ou mais personagens, ou duas personagens que dialogam", diz Manuel Gusmão.
Isabel Coutinho, O escritor que revolucionou com a sua escrita                           




Caraterísticas relevantes da escrita de Saramago:
- A rutura com as regras da pontuação, pela introdução do discurso directo sem utilizar os sinais gráficos convencionais (dois pontos, travessão, ponto de interrogação)


Utilização da vírgula para as pausas breves e longas, neste caso substituindo o ponto final, sendo seguida de maiúscula, sempre que é necessário desfazer ambiguidades;


- A utilização de expressões populares (como elas são ou alteradas):

            - “o sol quando nasce é para todos” (cap. III, p. 27) e de provérbios;

algumas vezes faz uma truncagem propositada dessas expressões, em geral, de sentido crítico; ex: 
           - “fazer o bem olhando a quem” (cap. XXVII, p. 223);

- A intertextualidade com:

          - Os Lusíadas, de Luís de Camões,
          - Padre António Vieira
          - Fernando Pessoa, ....

- A ironia, a sátira e linguagem depreciativa e humorística:

        - “se este rei não se acautela acaba santo” (cap. XXI, p. 282), “ da pocilga que é Lisboa”, “ a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios” (cap. III, p. 28);

Outros recursos estilísticos recorrentes:

Antítese 

“A obra é longa, a vida é curta.” (cap. XXI, p. 281);

Metáfora 

“O cântaro está à espera da fonte” (cap. I, p. 13), “Mas esta cidade (...) é uma boca que mastiga” (cap. III, p. 27);

Eufemismo 
“que ele próprio poderá amanhã fechar os olhos para todo o sempre.” (cap. XXI, p. 288);

Adjetivação
“aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada” (cap. V, p. 53);
Enumeração
“cordas panos, arames, ferros confundidos” (cap. IX, p. 95);
Repetição anafórica - “é o que dizem... é o que dizem... é o que dizem... é o que dizem... ” (cap. XVI, p. 194);


Trocadilho
“o côncavo meu no teu convexo, no meu convexo o teu côncavo, é o mesmo que homem e mulher...” (cap. XVI, 201);


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