FIGURAS DE RETÓRICA / RECURSOS EXPRESSIVOS
O conhecimento desta matéria não constituindo um fim em si, é um meio muito interessante e eficaz de acedermos à compreensão de usos mais elaborados do pensamento e do discurso. Mesmo do discurso científico, donde estes usos não estão ausentes. Repare-se nestes títulos de Ao Encontro de Espinosa, do cientista António Damásio: “Um Interruptor do Tronco Cerebral” (metáfora) ; “Um Pouco Mais de Riso e Algumas Lágrimas” (contraste); “O Ver das Coisas” (nominalização do verbo); “E Se o Mundo...? ” (uso expressivo das reticências; suspensão; interrogação retórica)
Um conhecimento pobre das possibilidades/dos usos criativos da língua limita muito o número e o tipo dos livros, dos jornais, das revistas, das conferências, das conversas que conseguiremos compreender. Aqui fica alguma ajuda, que deves completar com a pesquisa pessoal.
Fica um complemento à informação do Manual, com algumas clarificações e exemplos.
Antítese
O esforço é grande e o homem é pequeno. F, Pessoa
Antítese – apresentação de um contraste entre duas ideias ou coisas, posto em evidência pela oposição das palavras que designam cada uma dessas ideias ou coisas; consiste, pois, em relacionar contrários. (do Gr. parádoxon < pará, contrário + doxa, opinião)
Ø Com mãos se faz a paz se faz a guerra. / Com mãos tudo se faz e se desfaz. (M. Alegre)
Ø O ser humano, como tudo, principia/Em noturna matéria que termina/ Num éter, numa luz (...)/num sensível clarão (Teixeira de Pascoaes)
Ø ...és rosa, primavera, sol, baixel/Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago. (F. Vasconcelos)
Ø Da tua vista se compunha o dia,/Da tua ausência a noite se formava(...)/Trocar-se em cinza morta a flama viva. ( A. Barbosa Bacelar)
Ø Se apartada do corpo a doce vida,/Domina em seu lugar a dura morte. (Violante do Céu)
Paradoxo (surge, muitas vezes, como sinónimo de oxímoro)
O Mito é nada que é tudo F. Pessoa
Paradoxo – Consiste em aplicar a uma mesma realidade termos inconciliáveis, destacando assim a sua complexidade; expressa-se uma contradição; há uma relação de contraditórios
Ø Aquela triste e leda madrugada (Camões)
Ø O doce fel do deleite, o acre prazer das dores (Garrett)
Ø Será brando o rigor, firme a mudança,/Humilde a presunção, vária a firmeza,/Fraco o valor, cobarde a fortaleza,/Triste o prazer, discreta a confiança(...)/Verdadeira a traição, falsa a verdade,/ Antes que vosso amor meu peito vença. (Violante do Céu)
. O Paradoxo é um enunciado indefinível quanto à sua veracidade ou falsidade.
Paradoxos de Russel: são proposições sobre proposições que resultam falsas quando aplicadas a si mesmas. O exemplo de Bertrand Russel foi o seguinte:
Numa folha de papel está escrito: o que se diz no verso desta folha é falso. Ao virar a folha, no verso deparamos com a afirmação: o que se diz no verso desta folha é falso.'
Um exemplo vindo da Antiguidade: 'Epimenides diz que todos os atenienses são mentirosos. Epimenides é ateniense, logo, o que ele diz é uma mentira e os atenienses não são mentirosos, logo ...'
Os paradoxos de Russel são muito usados, em especial no discurso filosófico. Alguns exemplos:
'’Só sei que nada sei.'; 'Palavras são palavras, apenas palavras.'
Oxímoro
O nome vem do Grego oxus, "afiado, agudo, penetrante", mais moros, "tolo, idiota", e teria sido criado pelos retóricos exatamente para designar essas expressões subtis e irónicas que parecem, à primeira vista, puro disparate ou contradição.
O nome vem do Grego oxus, "afiado, agudo, penetrante", mais moros, "tolo, idiota", e teria sido criado pelos retóricos exatamente para designar essas expressões subtis e irónicas que parecem, à primeira vista, puro disparate ou contradição.
É uma figura da Retórica Clássica que consiste em combinar, numa só expressão, dois termos considerados antagónicos, obtendo-se, com essa combinação inusitada, uma série de efeitos literários e expressivos: um silêncio ensurdecedor, um supérfluo essencial, boatos fidedignos, espontaneidade calculada, mentiras sinceras, crescimento negativo.
O tipo mais frequente de oxímoro é formado pela união de um substantivo e de um adjetivo; existem, no entanto, formas mais extensas de composição, desde aquele lema dos movimentos de Maio de 68: "É proibido proibir"
A Literatura tem bons exemplos: um dos mais famosos sonetos da lírica de Luís de Camões, todo construído sobre oposições desse tipo: Amor é fogo que arde sem se ver, /É ferida que dói, e não se sente; /É um contentamento descontente, /É dor que desatina sem doer. (...)
Há oxímoros na literatura de todas as línguas, de todas as épocas. Na retórica moderna, e com uma intenção irónica, em vez de se usar a figura do oxímoro, usa-se o próprio termo, servindo-me dele para extrair um significado totalmente surpreendente de combinações corriqueiras de palavras. "Inteligência militar" é uma expressão conhecida e usada sem malícia; no entanto, quando Joseph Heller, no seu romance "Catch 22", diz que isso é um "oxímoro", o efeito crítico é devastador, porque o autor declara simplesmente que, para ele, inteligência e militar são termos contraditórios, que não deveriam andar juntos. O mesmo se passa com; Fulano de Tal, músico de rock - perdoem o oxímoro! - declarou... ; ou este: - A julgar pelo Brasil, televisão educativa não passa de um oxímoro.
Tautologia
É o enunciado que resulta sempre verdadeiro, não importa a veracidade das suas variáveis. Exemplos: Cada um é o que é.'; O que está feito está feito. '; Ou é ou não é.'
É referido com carácter pejorativo/crítico em relação a textos/discursos em que há um raciocínio viciado, porque não se argumenta capazmente ou se procede à repetição de um mesmo pensamento por palavras diferentes. Tautológico – redundante; repetitivo.
Apóstrofe (aparece, por vezes, como Vocativo, que é o elemento sintático que a traduz)
Apóstrofe – interpelação direta; é toda a invocação do recetor: Meu caro, veja se percebe; João, é de si que precisamos ; Não sei, meu amigo, se compreende...
Em posição inicial é seguida de vírgula; em posição intermédia surge entre vírgulas. Visa confirmar a transmissão (função fática) ou conseguir um ganho de intimidade pela reiteração da exclusividade do discurso, como se o recetor dissesse: é para si que estou falando (função apelativa) .
Interjeição
“Eia todo o passado dentro do presente!/Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! “ A . Campos, Ode Triunfal
Interjeições são ocorrências típicas do uso expressivo da linguagem. A interjeição não veicula uma mensagem, ela indica o estado de ânimo do emissor, exterioriza um estado emocional. Uma característica relevante da interjeição é a brevidade.
Tipos de interjeição:
Ø Há ocorrências que só aparecem no discurso como interjeições. Por exemplo: ‘Ah’, 'uai', 'ai', 'ui', ‘eia’, ‘irra’, 'caramba'.
Ø Há ocorrências que ora surgem como interjeição, ora como signos do uso comunicativo: 'Raio(s)', ' Diabo(s)'. Neste caso há uma polissemia, em que uma das possibilidades de uso do termo é expressiva e outra comunicativa. Exemplo:
- Caiu um raio no pátio da escola e destruiu uma árvore. (intenção comunicativa);
- Que raio! Não percebo nada deste exercício. (intenção expressiva; traduz aborrecimento, irritação)
A origem das interjeições: as interjeições são signos e formam-se por mecanismos diversos como:
Ø Icónico. Imitam sons não fonológicos associados aos estados emocionais: 'ai', 'ui' , ‘ah’.
Ø Uso de palavras tabu. As interjeições que usam palavras tabu, como os palavrões, têm a característica adicional de serem uma rutura da sociabilidade.
Ø A partir de enunciados comunicativos relacionados com o estado de ânimo em questão. Exemplo: 'Por Deus', 'Nossa Senhora', 'Jesus'. Nesses exemplos há uma mensagem, mas veicular esta mensagem não é o objetivo da interjeição.
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