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06 fevereiro 2014

O papel da literatura

A importância da literatura para o homem de cultura universitária, qualquer que seja sua especialização *

«A mensagem literária dirige-se hoje para um homem que vive numa época de especialização, que exige o culto às ciências naturais como o único digno de si. (...)
A especialização é o signo de nossa época. O gigantesco desenvolvimento do conhecimento nas ciências naturais, a centralização de esforços dos Institutos Universitários em torno das pesquisas físicas longe de prescindirem de um sentido humano à sua atividade, colocam-no com mais dramaticidade.

É o espantoso desenvolvimento das ciências naturais que revela o fato do homem achar-se num período de transição. Os velhos valores fenecem e os novos não foram ainda encontrados. Esse vácuo é preenchido pela incerteza do homem quanto ao seu destino.

Numa época de especialização, a literatura define os ideais de um período de crise e transição. Daí toda grande obra literária ser de um período de transição (veja-se a importância da mensagem de Dante, Dostoievski ou Kafka).

Pois é nesses períodos que se põe dramaticamente ao homem essa interrogação: qual o sentido de sua vida, qual a significação do mundo que o cerca?

O médico, engenheiro, advogado, encarnam especializações necessárias ao exercício de suas atividades, mas têm em comum, um atributo, o de serem humanos e o de enfrentarem idênticos problemas numa sociedade em transição.

Somos filhos de uma sociedade individualista e liberal e caminhamos para um outro tipo de sociedade planificada. Como dar-se-á tal mudança? Quais os agentes desse processo? Não o sabemos. O que sabemos é que assistimos a um espetáculo de crise, de transição, onde os velhos quadros sociais desaparecem e os novos ainda não se estruturaram.

A literatura é uma forma de resposta a essa interrogação. (...)
Sendo ela acessível aos diferentes especialistas, poderá formular novas formas de ação ética e padrões morais. Como um sismógrafo poderá ela captar o sentido interno da mudança que se opera no mundo. Para tal, conta com a intuição artística, que faz com que as mudanças sejam pressentidas antes pelos seus possuidores, passando depois aos campos sistemáticos do conhecimento.

A transição do século XIX e XX foi assinalada, em primeiro lugar, pelos impressionistas, pelo naturalismo literário e posteriormente pelos teóricos de política, economia e filosofia.

A literatura pertencendo a um dos campos assistemáticos do conhecimento tem esse poder. Pode auscultar as mudanças que se operam no mundo e pela imaginação de seus grandes nomes, definir ao homem comum, novos caminhos.

Se não conseguir formulá-los com nitidez, pelo menos servirá como testemunho de uma época.
(...)

Na época moderna à literatura cabe um papel integrador. O papel de superar o abismo existente entre a arte e a vida, arte e ciência, na medida em que ela mesma é concebida como uma forma de conhecimento dessa totalidade, que é o homem.

Cabe ao escritor viver plenamente sua época, pois só atinge a grandeza, aquele que sentiu seu próprio tempo. Este é o segredo da universalidade de um Goethe, Balzac ou Cervantes.

Nessa tentativa de traçar com lucidez os quadros do mundo, onde se desenrola o drama humano, num período de transição, é que a literatura deixará de ser o “sorriso da sociedade”, para ser testemunho de uma época, uma mensagem acessível a todos, que permitia ao homem independente de sua especialidade sentir-se junto ao seu semelhante. (...)

Se as profissões diferenciam o homem, cabe à arte uní-lo em torno de ideais comuns. Isso ela pode fazê-lo, pois sua linguagem é universal e a condição humana idêntica em toda a face da terra.»
* Licenciado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

Nota: texto escrito em português do Brasil.  

3 comentários:

Demosfen disse...

Os tais grandes poetas que viveram num ambiente de mudança, de decisões fatídicas cujos poemas são os primeiros pontos de referência a essas mesmas mudanças. Sendo eles os Homens de arte, são os primeiros a quem cabe o trabalho de descrição e análise dos problemas de sociedade e estado e apenas depois é que ocorre a revolução e época de soluções e prosperação (ou não)
O Homem ao longo da evolução passou pelas varias formas de organização social: nomadismo (colectividade) monarquia e liberalismo etc.
Eu acho que qualquer revolução é um BEM comum e não interessa se houve ou há muitas problemas (há aqueles que se opõem a essa ideia) significa que o homem reinterpretou uma certa fase da vida e está pronto para prosseguir para a outra

"É o espantoso desenvolvimento das ciências naturais que revela o fato do homem achar-se num período de transição.
Acho que aqui o autor dá uma referência ao desenvolvimento de tais ciencias como psicobio sociologia que diz nos que os processos biologias do Homem, estão directamente relacionados com aspectos sociais e culturais da sociedade tal como de neurobiologia interpessoal: princípio sobre o qual o nosso sistema nervoso organiza-se em função de nossas relações pessoais, ambiente que nos envolve e por fim da nossa cultura.
Desse modo é impossivel separar funcionalidade neurobiologica da criatura humana do ambiente que nos rodeia onde fomos criados e que continua de existir.
Ligando isso ao protestos mundiais globais contra o poder dos ricos, contra a escravização e por fim - contra o sistema bancário mundial chego à conclusão que o Homem finalmente está à beira de uma nova reinterpretação e revolução e num próximo futuro - preparado para uma nova fase que eu chamaria de evolução, generalizando

Anónimo disse...

"Demo"
Obrigada pela colaboração.

Este comentário pode entender-se - embora seja muito discutível - como reação ao texto publicado.

Por exemplo, seria útil tornar mais preciso/clarificar a afirmação:
"Homens de arte, são os primeiros a quem cabe o trabalho de descrição e análise dos problemas de sociedade e estado".

Os artistas não são analistas sociais - o seu compromisso é de sensibilidade, reflexão e, se o entenderem,de acompanhamento das grandes questões do seu tempo.

O segundo parágrafo teria de ser eliminado ou desenvolvido - é leviano; grandes períodos da evolução do homem são estabelecidos sem critério (ora histórico, ora político, ora antropológico) rematado com um inaceitável "etc."

Mas, se o texto era para servir de reflexão sobre o tema do exame, então não tem interesse, pois afasta-se significativamente do tema sugerido, numa mistura de história, biologia, genética e político - tudo deficientemente fundamentado.

NS

Anónimo disse...

Errata: onde está "político" deve ler-se "política".

NS