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23 maio 2016

Romance «Memorial do Convento»


CLASSIFICAÇÃO LITERÁRIA DE
 Memorial do Convento
 
«Relativamente a este romance, o título (Memorial) sugere factos de que reza a História. Todavia, existem algumas dúvidas quanto à sua classificação. Atendendo à intemporalidade do narrador, que intervém frequentemente na história narrada, parece impossível classificar esta obra como romance histórico. Apesar disto, há na obra a reconstituição de um passado histórico, mas cheio de intromissões e considerações presentificadas. Além disso, a ficção marca aqui a sua presença, bem como a supremacia dada a aspectos que a História não realçou e tudo isto constitui factor de afastamento ao romance histórico.
No fundo, Saramago conta o passado com os olhos postos no presente, evidenciando-se, deste modo, a subjectividade com que História é narrada. De qualquer modo, existem aproximações ao romance histórico, fundamentalmente na reconstituição de ambientes e de factos respeitantes à História, muito embora esta seja recriada pelo olhar crítico de Saramago que até lhe dá outros heróis, frequentemente aqueles que a verdade histórica esqueceu, colocando-os num plano ficcional.
A preocupação com a realidade, evidenciada na obra, vai dar, também, ao romance um cariz social, fazendo-se crónica dos costumes da época, romance social, destacando-se gente humilde e oprimida, afirmando-se, deste modo, como romance de intervenção, ao remeter para uma época repressiva, mas ainda experienciada no século XX.
Através do passado presentificado, o romance adquire intemporalidade, visível na repressão, nos desejos e comportamentos das personagens, os quais não se alteraram no momento da escrita.
Mas se uma época da História é evidenciada, os quadros que a reconstituem também caracterizam o ambiente histórico e, neste sentido, a designação de romance de espaço também se enquadra na obra.
A reconstituição de cenários que retratam Lisboa e outras localidades permite observar as preocupações com os factos históricos e com o modo de vida dos humildes, por parte de Saramago.
Com efeito, “memorial” remete para algo respeitante à memória, para um escrito que relata factos memoráveis, neste caso relacionados com a construção do convento de Mafra.
À reconstrução da História aliam-se outros aspectos que culminam numa reescrita da História, onde personagens normalmente por ela esquecidas vão ganhar relevo.
O relato histórico que o narrador faz está semeado de comentários e de referências a acontecimentos do século XVIII que deverão servir de exemplo para a actualidade. Por isso, a História tem aqui um papel diversificado: aparece como fonte de energia que favorece a história ficcional de Baltasar e Blimunda, mas serve também de assunto quando se relatam momentos históricos concretos, como a construção do convento ou os casamentos reais.
Realmente, parece ser possível afirmar que Memorial do Convento se aproxima do romance histórico, mas um pouco adulterado, uma vez que a História funciona como pretexto para tratar temas e situações conducentes a valores intemporais.»

Imagem: Cenário da ópera Blimunda; exposição sobre a vida e obra de José Saramago, Palácio da Ajuda

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