CLASSIFICAÇÃO LITERÁRIA DE
Memorial do Convento
«Relativamente
a este romance, o título (Memorial) sugere factos de que reza a História.
Todavia, existem algumas dúvidas quanto à sua classificação. Atendendo à intemporalidade do narrador, que
intervém frequentemente na história narrada, parece impossível classificar esta
obra como romance histórico. Apesar disto, há na obra a reconstituição de um
passado histórico, mas cheio de intromissões e considerações presentificadas.
Além disso, a ficção marca aqui a sua presença, bem como a supremacia dada a
aspectos que a História não realçou e tudo isto constitui factor de afastamento
ao romance histórico.
No
fundo, Saramago conta o passado com os olhos postos no presente,
evidenciando-se, deste modo, a subjectividade com que História é narrada. De
qualquer modo, existem aproximações ao romance
histórico, fundamentalmente na reconstituição de ambientes e de factos
respeitantes à História, muito embora esta seja recriada pelo olhar crítico de
Saramago que até lhe dá outros heróis, frequentemente aqueles que a verdade
histórica esqueceu, colocando-os num plano ficcional.
A
preocupação com a realidade, evidenciada na obra, vai dar, também, ao romance
um cariz social, fazendo-se crónica
dos costumes da época, romance social,
destacando-se gente humilde e oprimida, afirmando-se, deste modo, como romance de intervenção, ao remeter para
uma época repressiva, mas ainda experienciada no século XX.
Através
do passado presentificado, o romance adquire intemporalidade, visível na
repressão, nos desejos e comportamentos das personagens, os quais não se
alteraram no momento da escrita.
Mas
se uma época da História é evidenciada, os quadros que a reconstituem também
caracterizam o ambiente histórico e, neste sentido, a designação de romance de espaço também se enquadra na
obra.
A
reconstituição de cenários que retratam Lisboa e outras localidades permite
observar as preocupações com os factos históricos e com o modo de vida dos
humildes, por parte de Saramago.
Com
efeito, “memorial” remete para algo respeitante à memória, para um escrito que
relata factos memoráveis, neste caso relacionados com a construção do convento
de Mafra.
À
reconstrução da História aliam-se outros aspectos que culminam numa reescrita
da História, onde personagens normalmente por ela esquecidas vão ganhar relevo.
O
relato histórico que o narrador faz está semeado de comentários e de
referências a acontecimentos do século XVIII que deverão servir de exemplo para
a actualidade. Por isso, a História tem aqui um papel diversificado: aparece
como fonte de energia que favorece a história ficcional de Baltasar e Blimunda,
mas serve também de assunto quando se relatam momentos históricos concretos,
como a construção do convento ou os casamentos reais.
Realmente,
parece ser possível afirmar que Memorial
do Convento se aproxima do romance histórico, mas um pouco adulterado, uma
vez que a História funciona como pretexto para tratar temas e situações
conducentes a valores intemporais.»
Imagem: Cenário da ópera Blimunda; exposição sobre a vida e obra de José Saramago, Palácio da Ajuda
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