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04 novembro 2013

Para onde vai a nossa investigação?


 Deixo o texto que saiu no exercício. Vale a pena pensar no assunto.




Uma cientista em estado líquido[1]
 
Mudei de trabalho, mudei de vida, mudei de país. Sim, também eu mudei de país! A burocracia venceu, desisti por exaustão.
A mobilidade é importante na ciência. Até fundamental, diria. Mas para enriquecer a academia, a mobilidade implica um fluxo contínuo com partidas de chegadas de cientistas. Senhores governantes, conseguiram promover a mobilidade, em fluxo contínuo, mas num só sentido. Para fora!
Estamos em crise, são tempos difíceis. De acordo. Mas o exemplo tem que vir de cima e não vem. (…) Instituições congelam, projetos ficam parados e cientistas desesperam, graças a esses mesmos despachos emitidos de um qualquer gabinete ministerial. Executar um projeto, no sentido contabilístico, é um pesadelo real para um cientista. Será mais fácil descobrir a origem da vida do que conseguir transferência de verbas a tempo para a investigação. (…)
E agora, pode um cientista mudar o sistema? Os cientistas portugueses podem assumir três “estados” primários materiais: o sólido, o líquido e o gasoso.
O cientista sólido estabeleceu-se, tem um lugar permanente como investigador ou professor universitário (que, na realidade, combina investigação com ensino), não muda de forma, até ver.
O cientista do estado líquido não tem um lugar permanente, é um precário contratualizado. Em teoria, tem boas condições de trabalho, na prática nada funciona. No que toca a responsabilidades, é cristalino de tão sólido, no que toca a direitos… bom, depende dos dias. Como um líquido, molda-se às novas situações, até um certo limite.
O somatório de frustrações burocráticas e institucionais provoca ebulição e o cientista líquido passa ao estado gasoso. Neste estado, é um precário bolseiro de investigação. É um profissional da ciência, encartado com os mais variados graus, e cuja bolsa atual não lhe confere grau académico. O seu estado gasoso possibilita a libertação imediata em momentos de crise. Não há transferência de verbas? O burocrata resolve: abre a válvula de escape e soltam-se uns bolseiros no éter, que nem deixam marcas de tão voláteis que são.
Nenhum destes três estados fundamentais têm energia para combater o sistema, se do outro lado o seu interlocutor é fraquinho. Simplesmente, não vai perceber. Cientistas sólidos, quase todos com mais de 50 anos, têm outros, também sérios, problemas. As universidades vão muito mal. Cientistas líquidos e gasosos escapam-se assim que podem. Coisa curiosa, essa, do cientista que come e precisa de teto, como todos os outros.


Filipa Marques (Investigadora no Centro para a Geobiologia da
Universidade de Bergen, Noruega). In PÚBLICO, secção Ciência.




[1] Texto publicado no Jornal Público, de 16/10/2013. Disponível em http://www.publico.pt/ciencia/ noticia/uma-cientista-
em-estado-liquido-1609314, acedido em 24/10/2013.

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