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24 outubro 2009

A literatura ainda pode ser polémica?


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com declarações de José Saramago sobre Caim, o seu novo livro

 

A propósito do lançamento de Caim - duas opiniões muito distintas.

A.
"Saramago escreveu outro livro. O seu título é “Caim”, e Caim é um dos protagonistas principais. Outro é Deus, outro ainda é a humanidade nas suas diferentes expressões. Neste livro, tal como nos anteriores, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, por exemplo, o autor não recua diante de nada nem procura subterfúgios no momento de abordar o que, durante milénios, em todas as culturas e civilizações foi considerado intocável e não nomeável: a divindade e o conjunto de normas e preceitos que os homens estabelecem em torno a essa figura para exigir a si mesmos - ou talvez seria melhor dizer para exigir a outros- uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício, ou matar em nome de Deus.
“Caim” não é um tratado de teologia, nem um ensaio, nem um ajuste de contas: é uma ficção em que Saramago põe à prova a sua capacidade narrativa ao contar, no seu peculiar estilo, uma história de que todos conhecemos a música e alguns fragmentos da letra. Pois bem, com a cabeça alta, que é como há que enfrentar o poder, sem medos nem respeitos excessivos, José Saramago escreveu um libro que não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia. Este livro agarra-nos, digo-o porque o li, sacode-nos, faz-nos pensar: aposto que quando o terminardes, quando fizerdes o gesto de o fechar sobre os joelhos, olhareis o infinito, ou cada qual o seu próprio interior, soltareis um uff que vos sairá da alma, e então uma boa reflexão pessoal começará, a que mais tarde se seguirão conversas, discussões, posicionamentos e, em muitos casos, cartas dizendo que essas ideais andavam a pedir forma, que já era hora de que o escritor se pusesse ao trabalho, e graças lhe damos por fazê-lo com tão admiráveis resultados.
Este último romance de José Saramago, que não é muito extenso, nem poderia sê-lo porque necessitaríamos mais fôlego que o que temos para enfrentar-nos a ele, é literatura em estado puro."

Pilar del Río
B.
"Ainda não li Caim e por isso não falo de um livro que não conheço, mas vi e ouvi as declarações do autor: “O Deus da Bíblia não é de fiar: é vingativo e má pessoa.”
Saramago traçou dois objectivos ao lançar mais uma polémica: espetar mais um prego na crucificação da Igreja Católica e através da agressão suscitar o debate e vender a sua obra.
Saramago conseguiu juntar o útil ao agradável, mas houve uma variável que o consagrado Nobel da Literatura esqueceu. O plano de Saramago não é perfeito e o escritor pode ter caído numa cilada de Deus.
A má pessoa imaginária que Saramago persegue e teima em negar preparou uma vingança ao escritor e usou o velho Nobel para lançar o debate, não sobre Caim mas sobre a Bíblia, e trazer novos leitores para o livro escrito por um Deus que o escritor diz ser vingativo.
(...)
A estranha luta de Saramago com um Deus que não existe não é uma demência intelectual. É a revolta de um homem que desconhece que na sua procura por um divino que nunca descobriu foi encontrado por um Deus que o conhece e o ama profundamente.
Saramago é inteligente. Não perde tempo em conversas banais com o eurodeputado Mário David que apelou à sua renúncia da nacionalidade portuguesa. Não tem medo de afrontar a religião maioritária e de afirmar que já não há fogueiras para queimar os hereges. Mas quando fala de Deus e da Bíblia o verniz estala. Inquieta-se. Revolta-se. Sente-se perturbado. Quer vingança!
Ninguém inteligente luta com a fantasia alheia. Fazer um campanha contra alguém que não existe é uma perda de tempo e Saramago sabe que o tempo que lhe resta é pouco para ser esbanjado em palermices de religiosos.

Saramago tem razão! Mas não tem fé! E a razão sem fé é como a justiça cega.
O que inquieta Saramago é a sua lógica contraditória. Como é que um Deus que só existe na cabeça das pessoas as influencia tanto?
(...)
A estratégia fracassada de Saramago transformou-o no maior publicitário português da Bíblia. Mesmo que Deus não exista ele conseguiu fazer o que muitos pregadores tentaram mas raramente conseguiram, trazer os desiludidos com a religião de volta às Escrituras.
Obrigado Saramago."

João Pedro Martins, em


8 comentários:

João Francisco Bastos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Francisco Bastos disse...

Discordo completamente com a opinião "A".. A meu ver, a divulgação deste livro e deste tema tem sido exagerada. Como costumo dizer, "estão a dar demasiado tempo de antena..".Toda esta polémica criada foi um género de estratégia para maior venda deste livro. É evidente que nao se fala de outra coisa sem ser o livro, e como é de esperar, as pessoas irão ter tendência para comprá-lo.
Acho que cada pessoa tem o direito de acreditar ou não acreditar numa religião e não vai ser Saramgo que mudará a opinião dessas pessoas.
Concordo com a opinião "B" quando refere que Saramago aproveita-se do seu nobel para contestar um tema tão polémico que é a religião.
Concordo também que o livro foi escrito com um sentimento de revolta e vingança.
Eu nao conheço a escrita de Saramago, mas, sabendo tudo o que ele fez, ninguém põe em causa as suas capacidades, contúdo, e claro, isto é apenas a minha opinião, o escritor nao se saiu da melhor forma ao escrever este livro...

Anónimo disse...

João Francisco
Obrigada por teres participado. Vão algumas correcções:
Está mal o "Discordo completamente com a opinião";
O correcto é "Discordo completamente da opinião"
FIXA: Concordar com;
Discordar de.

- Em "nao se fala de outra coisa sem ser o livro" é: ...sem ser do livro; falar de.
- Em "capacidades, contúdo," deve haver ponto ou pont e vírgula antes de "contudo" (sem acento!)


Vamos à argumentação:
Não é sério dizer "Concordo também que o livro foi escrito com um sentimento de revolta e vingança.". Como sabes? Já o leste?
Em que sustentas essa polémica afirmação?
Quando muito poderias levantar hipóteses.
- 2º erro sério: o paradoxo presente em:
" Eu nao conheço a escrita de Saramago, (...) contudo o escritor não se saiu da melhor forma ao escrever este livro..."
Percebes que é insustentável dizeres que não conheces ...mas não se saiu bem! Como sabes? Em que te suportas? Como é que não lendo se pode, com seriedade opinar sobre ter-se saído bem ou não.

Acrescentares " isto é apenas a minha opinião" não torna mais aceitável.

Por isso, a única abordagem possível para quem não leu deve ficar na escolha do tema, na razoabilidade ou não da polémica, no impacto que causa enveredar por temas relcionados com os livros sagrados das religiões, etc.

NS

Anónimo disse...

João Francisco (ainda)

Neste caso, poderias ter abordado as afirmações da entrevista, a diferença entre as duas posições, o carácter ficcional da obra, o valor da liberdde de expressão - para quem escreve e para quem critica...Ou seja, fugias à figura de falar do livro que não leste.

Valeu?
ns

Anónimo disse...

Sorry

No primeiro "post" falta:
- um "o" ao ponto;
- uma vírgula em "Como é que não lendo se pode, com seriedade opinar,(faltava) sobre ter-se saído bem ou não."
ns

Anónimo disse...

Para o João e para todos

Releiam e discutam a passagem:
um livro que "não nos vai deixar indiferentes, que provocará nos leitores desconcerto e talvez alguma angústia, porém, amigos, a grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia. Este livro agarra-nos, digo-o porque o li, sacode-nos, faz-nos pensar: aposto que quando o terminardes (...) uma boa reflexão pessoal começará, a que mais tarde se seguirão conversas, discussões (...)

Noémia S. disse...

E sobre o texto B agarrem na questão central:

"Saramago tem razão! Mas não tem fé! E a razão sem fé é como a justiça cega.
O que inquieta Saramago é a sua lógica contraditória. Como é que um Deus que só existe na cabeça das pessoas as influencia tanto?"

Percebem?

Toca a pensar!

NS disse...

A todos

Vamos lá a dar troco ao João Bastos - apoiando, criticando, reflectindo.

Ele foi valente e abriu o tema. Não o deixem a falar sozinho!