PAV
Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.
«Mas o pior pecado do nosso tempo, o mais medonho e injusto e terrível; aquele que mais ofende a Deus e prejudica homens feitos à Sua imagem e semelhança; aquele que mais é contra a mesma natureza humana, não é outro senão o vergonhoso comércio dos escravos; não é outro senão que haja gente tratada como qualquer irracional. Porém nenhum homem é comparável ao boi que tira pela carroça ou pelo arado, nem ao cavalo de montaria, nem a nenhuma besta de carga. E dos escravos se faz tudo isso, e por eles e com eles se conseguem fortunas que afrontam a Deus e à inteligência humana. E bem diria eu se dissesse que este crime é pior que matar por ódio, por vingança ou por ira. Podeis cuidar que me engano, que se for dado a escolher a um desgraçado escravo se quer ser morto ou continuar escravo, sobre escolher a liberdade sem vida, ele há-de preferir a vida sem liberdade. Essa é a matéria do pecado, mas nem sempre a gravidade da acção depende da matéria dele senão da sua qualidade. E, se é grande e abominável crime encurtar os anos da vida de um homem contra a vontade de Deus, maior crime e mais abominável
ainda é fazê-lo escravo e como tal o manter. Pois que a morte é o fim natural de todos os homens, enquanto pertence à sua natureza a liberdade. E é uma imagem feita à semelhança de Deus, que assim nos criou Ele, que reduzis a tão miserável servidão. Aos que entram neste iníquo comércio (invenção do Demónio, certamente, porque nem a pior das criaturas sem ser ele seria capaz de o ter imaginado), eu digo em nome de Deus: não tereis a vida eterna. Se vos atreveis a esperar o Céu, e tendes em casa ainda que seja o mais amado dos escravos, sois néscios» . Aqui tem disponível o sermão na Cidade de Angra em versão integral.

A escravatura que Padre António Vieira denunciou com tanto vigor, foi há muito abolida. A força dos seus sermões foi muito grande e revelou como as palavras - sendo apenas isso mesmo - têm capacidade de ajudar a reconfigurar a nossa forma de ver o mundo e a redefinir o real.
E hoje, de que novas formas se reveste a escravidão? Como temos usado a nossa palavra e a nossa acção para a denunciarmos e combatermos?