- pistas para rever e ampliar o conhecimento das aulas -
"totalmente desconhecido dos antigos"
Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projecto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Álvaro de Campos, Dactilografia (19/12/1933)
Álvaro de Campos
- é o “cantor da fúria e das vertigens da civilização mecânica” (Jacinto do Prado Coelho)
- é “o futurista, o sensacionista, o cantor da civilização mais moderna (...) o tradutor do ímpeto, do movimento, da energia vital, comunicador de experiências de êxtase, libertador das mais secretas correntes aquáticas torrenciais” (António Quadros)
- o alter ego corajoso de Fernando Pessoa ortónimo
Futurismo
"Movimento artístico e literário que teve origem no início do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial, e que se desenvolve na Europa, sobretudo em Itália, com os trabalhos de F. T. Marinetti, que estudara em Paris (...); foi ele quem elaborou o primeiro manifesto futurista, publicado em Le Figaro, em 1909, cujo original em italiano contém as seguintes premissas:
1. Noi vogliamo cantare l’amor del pericolo, l’abitudine all’energia e alla temerità.
2. Il coraggio, l’audacia, la ribellione, saranno elementi essenziali della nostra poesia.
3. La letteratura esaltò fino ad oggi l’immobilità pensosa, l’estasi e il sonno. Noi vogliamo esaltare il movimento aggressivo, l’insonnia febbrile, il passo di corsa, il salto mortale, lo schiaffo ed il pugno.
4. Noi affermiamo che la magnificenza del mondo si è arricchita di una bellezza nuova: la bellezza della velocità. Un automobile da corsa col suo cofano adorno di grossi tubi simili a serpenti dall’alito esplosivo... un automobile ruggente, che sembra correre sulla mitraglia, è più bello della Vittoria di Samotracia. [...]
Marinetti apelava não só a uma ruptura com o passado e com a tradição mas também exaltava um novo estilo de vida, de acordo com o dinamismo dos tempos modernos.
No plano literário, a escrita e a arte são vistas como meios expressivos na representação da velocidade, da violência, que exprimem o dinamismo da vida moderna, em oposição a formas tradicionais de expressão. [...]O futurismo contesta o sentimentalismo e exalta o homem de acção. [...] pelo elogio ao progresso, à máquina, ao motor, a tudo o que representa o moderno e o imprevisto.
Marinetti evoca a libertação da sintaxe e dos substantivos. É neste sentido que os adjectivos e os advérbios são abolidos, para dar mais valor aos substantivos. A utilização dos verbos no infinito, a abolição da pontuação, das conjunções, a supressão do “eu” na literatura e o uso de símbolos matemáticos são medidadas inovadoras. De igual modo, aparecem novas concepções tipográficas ao surgir a recusa da página tradicional.
O futurismo influenciou a pintura, a música e outras artes como o cinema. O cinema era então visto como uma nova arte de grande alcance expressivo.
(vê um excerto de Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, evidentemente em outro registo - satírico, crítico)
O futurismo foi responsável pelo aparecimento de numerosos manifestos e exposições que provocaram escândalos.[...]
O futurismo difunde-se em vários outros países, para além da Itália e da França, incluindo Portugal. [...]Mário de Sá-Carneiro e Álvaro de Campos aderem ao futurismo, assim como José de Almada Negreiros com o Manifesto Anti-Dantas (1916), onde se apresenta como poeta futurista do Orpheu. [...]
Importa destacar as condições em que Fernando Pessoa reconhece o futurismo nas sua própria poesia. Em carta ao Diário de Notícias, esclarece: “O que quero acentuar, acentuar bem, acentuar muito bem, é que é preciso que cesse a trapalhada, que a ignorância dos nossos críticos está fazendo, com a palavra futurismo. Falar de futurismo, quer a propósito do primeiro número do Orpheu, quer a propósito do livro do Sr. Sá-Carneiro, é a coisa mais disparatada que se pode imaginar. (...) A minha Ode Triunfal, no primeiro número do Orpheu, é a única coisa que se aproxima do futurismo. Mas aproxima-se pelo assunto que me inspirou, não pela realização - e em arte a forma de realizar é que caracteriza e distingue as correntes e as escolas.” (Carta datada de 4-6-1915, in Obras em Prosa, vol.V, org. de João Gaspar Simões, Círculo de Leitores, Lisboa, 1987, pp.208-209).
Álvaro de Campos foi directamente influenciado por outra das grandes figuras de inspiração dos poetas futuristas, o norte-americano Walt Whitman. A revista Portugal Futurista sai logo de circulação pelo seu aspecto provocatório. [...] Com o desaparecimento prematuro de Amadeo e Santa-Rita Pintor, em 1918, e com a dispersão de outras personalidades do futurismo, este acabaria por se dissipar.
O texto sobre o Futurismo foi retirado, em 21 de Novembro/07, do sítio da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa a seguir indicado, e reproduzido com cortes.
A pedido de vários alunos, aqui deixo excertos da "Ode Marítima".
ODE MARÍTIMA
a Santa Rita Pintor
[...]
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa. Mas a minh'alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.
Yeh eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eheh-eh-eh-eh-eh!
Grita tudo! tudo a gritar! ventos, vagas, barcos,
Marés, gáveas, piratas, a minha alma, o sangue, e o ar, e o ar!
Eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh! Yeh-eh-eh-eh-eh-eh! Tudo canta a gritar!
[...]
Parte-se em mim qualquer coisa. O vermelho anoiteceu.
Senti demais para poder continuar a sentir.
Esgotou-se-me a alma, ficou só um eco dentro de mim.
Decresce sensivelmente a velocidade do volante.
Tiram-me um pouco as mãos dos olhos os meus sonhos.
Dentro de mim há um só vácuo, um deserto, um mar noturno.
E logo que sinto que há um mar noturno dentro de mim,
Sabe dos longes dele, nasce do seu silêncio,
Outra vez, outra vez o vasto grito antiquíssimo.
De repente, como um relâmpago de som, que não faz barulho mas ternura,
Subitamente abrangendo todo o horizonte marítimo
Húmido e sombrio marulho humano noturno,
Voz de sereia longínqua chorando, chamando,
Vem do fundo do Longe, do fundo do Mar, da alma dos Abismos,
E à tona dele, como algas, bóiam meus sonhos desfeitos…
Álvaro de Campos